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TENDÊNCIAS/DEBATES
Odorico, o fiscal de Lula
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Quem afirma que "o primeiro dever do jornalismo é a crítica do poder, onde quer que ele se manifeste
-na política, na economia, nos negócios", não pode, por princípio, manter
com ele uma relação promíscua e proveitosa, sob o risco de ser desmoralizado. Essa é a primeira razão, não a única,
pela qual o jornalista Mino Carta há
muito tempo não pode e não deve ser levado a sério.
A definição sobre o dever do jornalismo, enunciada acima, não é minha, mas
do personagem em questão. Consta de
uma entrevista de 1997, reunida no livro
"Eles Mudaram a Imprensa", organizado pelo Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas.
Quem fala é a mesma pessoa que uma
década antes, como diretor de Redação,
transformou as revistas "Senhor" e "IstoÉ" em linha auxiliar e máquina de
propaganda de Orestes Quércia no período em que este foi governador de São
Paulo. É sabido que, entre outras estripulias, Mino Carta colocou a publicação
que dirigia a serviço do então afilhado
de Quércia, Luiz Antônio Fleury Filho,
na campanha que o conduziu ao Palácio
dos Bandeirantes, em 1990. A boa crônica desse episódio, no entanto, ainda está
por ser feita. Terá o jornalista agido a
pedido do patrão? Talvez ele próprio tenha algo a dizer a respeito.
Muito tempo passou desde então.
Quércia não chegou à Presidência da
República, como Mino Carta sonhava,
mas Lula está aí. E com ele o fiscalizador
do poder está novamente refestelado.
Trocou de patrão, não de caráter.
A observação vem a propósito do editorial da última "CartaCapital", assinado pelo próprio Odorico Paraguaçu do
jornalismo brasileiro. Empavonado, como de hábito, em sua subliteratura rocambolesca, Mino Carta -logo ele-
vem me acusar de ser um "sabujo de
plantão" a serviço dos donos da Folha.
Isso porque chamei pelo nome, em artigo publicado na semana passada, o convescote comemorativo dos dez anos da
revista, no qual estavam reunidos "o
poder e o PIB" -expressão que, mais
uma vez, não é minha, mas da própria
chamada de capa de "CartaCapital".
É porque pensa e se comporta como
um coronel, na base da truculência, de
favorecimentos e do favor, que Mino
Carta talvez até acredite que jornalistas
escrevem sempre para adular alguém,
não por convicção.
Mino Carta lembra os fiscais do Sarney. Com uma diferença: o tabelamento de Lula não é de preços, mas mental
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O assunto central do artigo em questão, que deu ocasião para mais um número da mesma estupidez verbal de
sempre -marca folclórica do personagem-, nem era a troca de gentilezas e
de favores entre os donos do poder naquela "noite feliz", mas, sim, o que lá
disse o presidente da República.
Provavelmente porque se sentia em
casa, Lula estava à vontade para mais
um de seus espetáculos retóricos. Lá pelas tantas, resolveu condenar o "denuncismo" -segundo a versão oficial, uma
espécie de mau hábito de uma imprensa
irresponsável e venal, da qual o contraponto patriótico seria... Mino "CartaCapital". Em resumo, uma piada.
Não é assim, evidentemente, nesse
palco e nesses termos miseráveis, que se
vai organizar na sociedade uma discussão séria sobre os problemas do jornalismo ou da concentração dos meios de
comunicação no país. Nem é isso, parece claro, o que este governo deseja. Desde o episódio Larry Rohter, pelo menos,
o que se viu foi a escalada meio desastrada do Planalto para tutelar e/ou intimidar órgãos de comunicação e profissionais de imprensa. A energia que este
governo dedica ao controle da informação (e não à sua democratização, como
pretendem alguns) é algo sem paralelo
desde o fim da ditadura.
À falta de uma bandeira nova para
empunhar, os recém-convertidos à ortodoxia econômica se abraçam a um
confuso ideário neogetulista, mas com
clara vocação autoritária, para viabilizar
sua sede de poder. Optaram pela parte
podre da herança varguista.
Mino Carta se encaixa perfeitamente
nesse projeto neobananeiro, do qual é
figura menor, mas útil, além de notório
beneficiário (basta folhear as páginas da
revista que dirige). Sua atuação lembra
a dos fiscais do Sarney. Com uma diferença: o tabelamento de Lula não é de
preços, mas mental.
Fernando de Barros e Silva, 38, jornalista, é editor do caderno Brasil da Folha e autor do livro "Chico Buarque", da coleção Folha Explica (Publifolha, 2004).
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