São Paulo, sexta-feira, 10 de setembro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Odorico, o fiscal de Lula

FERNANDO DE BARROS E SILVA

Quem afirma que "o primeiro dever do jornalismo é a crítica do poder, onde quer que ele se manifeste -na política, na economia, nos negócios", não pode, por princípio, manter com ele uma relação promíscua e proveitosa, sob o risco de ser desmoralizado. Essa é a primeira razão, não a única, pela qual o jornalista Mino Carta há muito tempo não pode e não deve ser levado a sério.
A definição sobre o dever do jornalismo, enunciada acima, não é minha, mas do personagem em questão. Consta de uma entrevista de 1997, reunida no livro "Eles Mudaram a Imprensa", organizado pelo Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas.
Quem fala é a mesma pessoa que uma década antes, como diretor de Redação, transformou as revistas "Senhor" e "IstoÉ" em linha auxiliar e máquina de propaganda de Orestes Quércia no período em que este foi governador de São Paulo. É sabido que, entre outras estripulias, Mino Carta colocou a publicação que dirigia a serviço do então afilhado de Quércia, Luiz Antônio Fleury Filho, na campanha que o conduziu ao Palácio dos Bandeirantes, em 1990. A boa crônica desse episódio, no entanto, ainda está por ser feita. Terá o jornalista agido a pedido do patrão? Talvez ele próprio tenha algo a dizer a respeito.
Muito tempo passou desde então. Quércia não chegou à Presidência da República, como Mino Carta sonhava, mas Lula está aí. E com ele o fiscalizador do poder está novamente refestelado. Trocou de patrão, não de caráter.
A observação vem a propósito do editorial da última "CartaCapital", assinado pelo próprio Odorico Paraguaçu do jornalismo brasileiro. Empavonado, como de hábito, em sua subliteratura rocambolesca, Mino Carta -logo ele- vem me acusar de ser um "sabujo de plantão" a serviço dos donos da Folha. Isso porque chamei pelo nome, em artigo publicado na semana passada, o convescote comemorativo dos dez anos da revista, no qual estavam reunidos "o poder e o PIB" -expressão que, mais uma vez, não é minha, mas da própria chamada de capa de "CartaCapital".
É porque pensa e se comporta como um coronel, na base da truculência, de favorecimentos e do favor, que Mino Carta talvez até acredite que jornalistas escrevem sempre para adular alguém, não por convicção.


Mino Carta lembra os fiscais do Sarney. Com uma diferença: o tabelamento de Lula não é de preços, mas mental


O assunto central do artigo em questão, que deu ocasião para mais um número da mesma estupidez verbal de sempre -marca folclórica do personagem-, nem era a troca de gentilezas e de favores entre os donos do poder naquela "noite feliz", mas, sim, o que lá disse o presidente da República.
Provavelmente porque se sentia em casa, Lula estava à vontade para mais um de seus espetáculos retóricos. Lá pelas tantas, resolveu condenar o "denuncismo" -segundo a versão oficial, uma espécie de mau hábito de uma imprensa irresponsável e venal, da qual o contraponto patriótico seria... Mino "CartaCapital". Em resumo, uma piada.
Não é assim, evidentemente, nesse palco e nesses termos miseráveis, que se vai organizar na sociedade uma discussão séria sobre os problemas do jornalismo ou da concentração dos meios de comunicação no país. Nem é isso, parece claro, o que este governo deseja. Desde o episódio Larry Rohter, pelo menos, o que se viu foi a escalada meio desastrada do Planalto para tutelar e/ou intimidar órgãos de comunicação e profissionais de imprensa. A energia que este governo dedica ao controle da informação (e não à sua democratização, como pretendem alguns) é algo sem paralelo desde o fim da ditadura.
À falta de uma bandeira nova para empunhar, os recém-convertidos à ortodoxia econômica se abraçam a um confuso ideário neogetulista, mas com clara vocação autoritária, para viabilizar sua sede de poder. Optaram pela parte podre da herança varguista.
Mino Carta se encaixa perfeitamente nesse projeto neobananeiro, do qual é figura menor, mas útil, além de notório beneficiário (basta folhear as páginas da revista que dirige). Sua atuação lembra a dos fiscais do Sarney. Com uma diferença: o tabelamento de Lula não é de preços, mas mental.

Fernando de Barros e Silva, 38, jornalista, é editor do caderno Brasil da Folha e autor do livro "Chico Buarque", da coleção Folha Explica (Publifolha, 2004).


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