São Paulo, quinta-feira, 10 de outubro de 2002

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OTAVIO FRIAS FILHO

Desconstrução

Um dos termos em voga, na crônica destas eleições, é "desconstrução". Tomada da recente filosofia francesa, a palavra vem sendo usada para designar a desmontagem, pela contrapropaganda, de candidaturas "construídas" pelo marketing de televisão. Convém "desconstruir" também, ao menos em parte, certas conclusões sobre o "recado das urnas".
O caciquismo foi varrido - Verdade em termos. Não existe dúvida de que uma leva de políticos tradicionais foi derrotada. Podemos divisar elementos em comum no perfil dos náufragos. Não custa lembrar, no entanto, que isso acontece de tempos em tempos. Nova camada de políticos emerge a cada onda dessas, instala-se no poder, desgasta-se e um dia é varrida por sua vez.
Existe uma evolução. Métodos mais brutos de intimidação e de controle são substituídos por outros, mais sutis. Certos padrões de conduta verbal desaparecem. A cada renovação, o político médio torna-se mais informal e anódino, embora a qualidade de sua atuação seja quase sempre superior à de seus precursores.
Em termos de "circulação de elites", a onda petista talvez só tenha paralelo histórico na substituição da camada governante em 1930. O tempo dirá se a aproximação é tão exagerada como parece. Diferentemente de 30, no entanto, o processo atual não passa por um golpe armado, mas por um processo lento, gradual e seguro de osmose sócio-política.
Em caso de vitória de Serra, o cenário vai se desanuviar - Ambas as coisas parecem improváveis. De tão pouco plausível, uma vitória do candidato tucano irá gerar amplo movimento de frustração em metade do eleitorado, e não faltará quem a acuse de fraudulenta. O êxito tornaria ainda mais auto-suficiente uma personalidade que já o é bastante.
Os chamados mercados no fundo não preferem A ou B, preferem evidentemente lucros. Com razão, acreditam que um ambiente previsível e relativamente estável é mais propício para os negócios. Eleito, Serra enfrentaria uma conjuntura igualmente adversa do ângulo da economia, sem o respaldo organizado que funcionaria como contrapeso no caso de Lula.
O establishment vai se aglutinar contra Lula no segundo turno - Meia verdade. É certo que a continuidade tucana seria a predileção da maioria do empresariado. Lula e o cerne de seu partido já se comprometeram o suficiente com o centro, no entanto, para suscitarem repulsa. A condição de favorito atrai apoios dessa camada quase sempre governista.
A base do PT na classe média é ampla e crescente. Os meios de comunicação refletem, em parte, a inclinação do estrato onde se encontra a sua clientela. O lobby petista é intenso nos meios intelectuais, que incluem o ambiente jornalístico. O poder em via de se tornar dominante é o PT. Depois de ser estilingue, está na hora de aprender a ser vidraça.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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