São Paulo, quinta-feira, 10 de outubro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Wall Street e o futuro do Brasil

ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA

Quando executivo do Banco de Investimentos do Brasil, durante os anos 60 e 70, tinha como rotina ir periodicamente aos EUA e Europa, visitando suas principais praças financeiras para promover investimentos no Brasil.
Nessas visitas cabia a mim, quase sempre, falar do mercado de capitais e das perspectivas das Bolsas no Brasil. Numa dessas apresentações, no ocaso do regime autoritário, mostrei com muito entusiasmo que os sinais de abertura política eram evidentes e que uma nova era de democracia podia ser vislumbrada para o futuro do Brasil. Não senti por parte do auditório uma receptividade à altura do meu otimismo. Depois da apresentação, um dos presentes me procurou para externar sua preocupação com a abertura e me perguntou se os brasileiros estavam preparados para votar. A manutenção do status quo autoritário não lhes era desconfortável.
Passaram-se alguns anos, e eu gostaria muito de reencontrar esse preocupado analista e comentar os resultados das eleições de 6 de outubro. De lá para cá o mundo mudou, e nossa democracia se consolidou. Quem sabe aqueles mesmos analistas do passado, reticentes a respeito dos prospectos de uma abertura, se surpreendessem com os números que acabamos de registrar. Para um observador externo isento, não devem ter passado despercebidos alguns fatos.
A derrota de figuras tradicionais da política brasileira indica que os eleitores favorecem a renovação. Cinco ex-governadores fracassaram na tentativa de eleição, assim como um ex-presidente. O Congresso teve composição alterada, com aproximadamente a metade de novos membros, o que pode favorecer a aprovação de importantes reformas.
A ascensão do PT em todo o país, marcando forte presença na composição do novo Congresso. Essa votação sinaliza o desejo de mudanças da grande maioria dos eleitores, o que é evidente também por outros indicadores.
Malgrado a demora em algumas seções e a complexidade de uma eleição com seis opções de voto, o Brasil deu uma clara demonstração de sua capacitação para conduzir um processo eleitoral de tal magnitude. Em 48 horas os resultados estavam disponíveis, sendo praticamente eliminada a possibilidade de fraudes.
Nunca uma eleição no Brasil ocupou tanto espaço na imprensa mundial. Isso demonstra claramente a importância dos desdobramentos políticos do nosso país para a economia mundial e, particularmente, para a nossa região.
No Congresso, mais do que nunca a busca de coligações será fundamental.
Tenho viajado com frequência, e durante o período pré-eleitoral não foram poucas as vezes em que defendi que a alternância de poder é parte do jogo democrático e que a sociedade brasileira dava claras demonstrações de ter amadurecido o suficiente para considerar tal hipótese. Não interpreto esse novo mandato como ruptura nem como a prevalência de soluções heterodoxas.


Surpreendeu-me a impaciência de Wall Street com a necessidade de termos um segundo turno


Consultando minhas anotações, lembrei-me de que mesmo numa boa fase do governo de Fernando Henrique, e num mundo menos conturbado, quando já se falava em sucessão, em 2000, numa palestra em Nova York, chamei atenção para a necessidade de "desdemonizar" a idéia de que a ascensão de Lula e do PT ao poder significaria uma forte ruptura no sistema econômico.
As mudanças ocorridas recentemente na postura do candidato e do seu partido parecem confirmar claramente essa posição. Aliás, os europeus sempre se mostraram menos preocupados com eventuais mudanças na área política do que nossos vizinhos do Norte.
Também com frequência, no exterior, sou obrigado a dissociar a eventual vitória do candidato do PT, ou mesmo do Serra, de uma situação parecida com a de qualquer outro país da América Latina. Apesar de alguns problemas em comum, nossas semelhanças são escassas.
Nossos estágios de desenvolvimento são bem distintos, portanto comparar lideranças políticas de outros países com as nossas é demostrar um grande desconhecimento da nossa realidade. É evidente que a recíproca não é verdadeira, pois os resultados da eleição brasileira terão impacto nos próximos pleitos de Argentina, Equador e Paraguai.
Por último, surpreendeu-me a impaciência de Wall Street com a necessidade de termos um segundo turno. Que autoridade têm os analistas de mercado do outro lado do equador para avaliar o que melhor interessa ao futuro do nosso país? O segundo turno consolida o processo democrático e nos fornece elementos mais sólidos para escolhermos aquele que entendemos estar melhor preparado para enfrentar os grandes desafios que temos pela frente.
Esses desafios não são poucos nem fáceis, porém perfeitamente administráveis. Para tanto, a governabilidade será um fator da maior importância.
É evidente que a compreensão externa e o apoio dos investidores será fundamental. Sem posições pré-concebidas ou enviesadas, respeitando a realidade do nosso país.


Roberto Teixeira da Costa, 68, economista, fundador e vice-presidente do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), é membro do Conselho de Administração do Banco Itaú. Foi presidente do Conselho de Empresários da América Latina (1998-2000).



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