São Paulo, terça-feira, 10 de dezembro de 2002

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Os progressistas e o governo do PT

O novo governo será governo do PT. Relegadas a posição acessória no governo, as outras forças progressistas devem responder generosamente a essa marginalização, apoiando um presidente que carrega as esperanças da nação. O apoio precisa, entretanto, ser consistente com clareza e energia na construção de alternativa eficaz. O contexto em que se dará essa construção é o confronto entre dois caminhos: um, que o governo se arrisca a seguir, condenado ao fracasso; o outro, aparentemente mais difícil de executar, indispensável ao desenvolvimento democratizante. Convidados a desempenhar papel de figurantes, os progressistas fora do PT precisam reescrever o roteiro.
Três vertentes formam o primeiro rumo. 1) Primazia dada à conquista da confiança financeira (sem, contudo, conquistá-la): garantir condições, como liberdade irrestrita de movimentação do capital e autonomia do Banco Central, que impeçam qualquer desvio nosso da falsa ortodoxia recomendada pelos países ricos ao resto do mundo. 2) Negociações setoriais ("pactos"), sob a égide do governo, entre os interesses organizados da sociedade brasileira, para acertar o que muda e quem paga. 3) Políticas sociais de compensação, como programas contra a fome, destinadas a atenuar o sofrimento dos mais pobres.
Como essa é trajetória que rejeita a inovação estratégica e a reconstrução institucional, ela se completa com política exterior apequenada: agarrar-se aos restos do Mercosul para tentar arrancar vantagens dos Estados Unidos.
Se o governo do PT tomar esse caminho, produzirá agravamento da situação econômica e frustração das expectativas populares. A crise recrudescerá. Terá como desfecho rendição definitiva ou reorientação tardia.
Seis diretrizes definem o outro caminho. 1) Manutenção do sacrifício fiscal, não para agradar aos interesses financeiros, mas para se libertar deles. 2) Uso do poder de barganha produzido pelo sacrifício fiscal para pressionar os juros para baixo. 3) Restrição à livre saída do capital brasileiro, imposta como escudo protetor temporário de uma política de crescimento e de reconstrução. 4) Reformas, como participação nos lucros, desoneração da folha salarial e simplificação dos impostos, que aumentem a parcela da renda nacional destinada aos salários e que ajudem a salvar da informalidade dois terços dos trabalhadores. 5) Ruptura das relações incestuosas entre o poder e o dinheiro, começando com o financiamento público das campanhas e com a privatização do resgate de empresas falidas. 6) Choque meritocrático, por meio de políticas que, ao assegurarem educação para todos, propiciem também o financiamento amplo das crianças mais talentosas ou aplicadas, sobretudo quando pobres e de cor.
Passa esse segundo rumo por política exterior audaciosa que dê base política a nossas reivindicações comerciais, buscando aliados dentro dos Estados Unidos, da Europa e dos países continentais periféricos. Sem isso e sem êxito em retomar e em reorientar nosso desenvolvimento, integração sul-americana é miragem.
A articulação dessa proposta tende a dividir o PT, mas a unir os progressistas fora do PT. A tarefa destes é evitar que o malogro do primeiro caminho - se o novo governo insistir em trilhá-lo - deixe o país sem opção e prepare a volta dos derrotados na última eleição. Reunir-se para defender o outro rumo é, para os progressistas fora do PT, a melhor maneira de ter futuro. A tarefa dos progressistas é apoiar o novo governo, mas também monitorá-lo, também construir bases para a etapa seguinte, também manter viva a visão de uma alternativa nacional.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.

Internet: www.law.harvard.edu/unger


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