|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Os progressistas e o governo do PT
O novo governo será governo do
PT. Relegadas a posição acessória
no governo, as outras forças progressistas devem responder generosamente a essa marginalização, apoiando um presidente que carrega as esperanças da nação. O apoio precisa, entretanto, ser consistente com clareza e
energia na construção de alternativa
eficaz. O contexto em que se dará essa
construção é o confronto entre dois
caminhos: um, que o governo se arrisca a seguir, condenado ao fracasso; o
outro, aparentemente mais difícil de
executar, indispensável ao desenvolvimento democratizante. Convidados a
desempenhar papel de figurantes, os
progressistas fora do PT precisam
reescrever o roteiro.
Três vertentes formam o primeiro
rumo. 1) Primazia dada à conquista da
confiança financeira (sem, contudo,
conquistá-la): garantir condições, como liberdade irrestrita de movimentação do capital e autonomia do Banco Central, que impeçam qualquer
desvio nosso da falsa ortodoxia recomendada pelos países ricos ao resto
do mundo. 2) Negociações setoriais
("pactos"), sob a égide do governo,
entre os interesses organizados da sociedade brasileira, para acertar o que
muda e quem paga. 3) Políticas sociais
de compensação, como programas
contra a fome, destinadas a atenuar o
sofrimento dos mais pobres.
Como essa é trajetória que rejeita a
inovação estratégica e a reconstrução
institucional, ela se completa com política exterior apequenada: agarrar-se
aos restos do Mercosul para tentar arrancar vantagens dos Estados Unidos.
Se o governo do PT tomar esse caminho, produzirá agravamento da situação econômica e frustração das expectativas populares. A crise recrudescerá. Terá como desfecho rendição definitiva ou reorientação tardia.
Seis diretrizes definem o outro caminho. 1) Manutenção do sacrifício fiscal, não para agradar aos interesses financeiros, mas para se libertar deles.
2) Uso do poder de barganha produzido pelo sacrifício fiscal para pressionar os juros para baixo. 3) Restrição à
livre saída do capital brasileiro, imposta como escudo protetor temporário de uma política de crescimento e
de reconstrução. 4) Reformas, como
participação nos lucros, desoneração
da folha salarial e simplificação dos
impostos, que aumentem a parcela da
renda nacional destinada aos salários
e que ajudem a salvar da informalidade dois terços dos trabalhadores. 5)
Ruptura das relações incestuosas entre o poder e o dinheiro, começando
com o financiamento público das
campanhas e com a privatização do
resgate de empresas falidas. 6) Choque meritocrático, por meio de políticas que, ao assegurarem educação para todos, propiciem também o financiamento amplo das crianças mais talentosas ou aplicadas, sobretudo
quando pobres e de cor.
Passa esse segundo rumo por política exterior audaciosa que dê base política a nossas reivindicações comerciais, buscando aliados dentro dos Estados Unidos, da Europa e dos países
continentais periféricos. Sem isso e
sem êxito em retomar e em reorientar
nosso desenvolvimento, integração
sul-americana é miragem.
A articulação dessa proposta tende a
dividir o PT, mas a unir os progressistas fora do PT. A tarefa destes é evitar
que o malogro do primeiro caminho
- se o novo governo insistir em trilhá-lo - deixe o país sem opção e prepare a volta dos derrotados na última
eleição. Reunir-se para defender o outro rumo é, para os progressistas fora
do PT, a melhor maneira de ter futuro.
A tarefa dos progressistas é apoiar o
novo governo, mas também monitorá-lo, também construir bases para a
etapa seguinte, também manter viva a
visão de uma alternativa nacional.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
Internet: www.law.harvard.edu/unger
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Marcelo Beraba: As tragédias de sempre Próximo Texto: Frases
Índice
|