São Paulo, terça-feira, 10 de dezembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Defesa e proteção dos direitos humanos

HÉLIO BICUDO e MARGARIDA GENEVOIS

Comemora-se hoje mais um aniversário da Carta das Nações Unidas. Trata-se, sem dúvida, de um marco na história da humanidade. É preciso, porém, não esquecer que, embora num âmbito menos abrangente, as Américas e o Caribe, com alguns meses de antecedência, já haviam concebido, nos primeiros dias de maio de 1948, sua Carta dos Direitos e Deveres do Homem.
As cartas valem como declarações. Elas são dirigidas às pessoas. Assim, afirmam que todas as pessoas têm direito à vida, à liberdade de expressão, à educação, ao trabalho etc.
Para a efetivação desses direitos surgiram, muito depois, as convenções sobre direitos civis e políticos. Estas são dirigidas aos Estados, que firmaram os tratados em questão e os ratificaram. Está inscrito nos tratados que os Estados se comprometem a respeitar os direitos e liberdades reconhecidas e garantir seu livre e pleno exercício. Para tanto, as leis nacionais, de um lado, e os tratados internacionais, de outro, buscam construir sistemas de promoção e defesa desses direitos. As cartas constitucionais os inscrevem.
No caso brasileiro, a Constituição de 1988 estabelece, em seus artigos 5º e 7º, o rol dos direitos e garantias fundamentais, explicando, no parágrafo 2º do aludido artigo 5º, que a menção expressa a esses direitos não esclareceu outros decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Carta Maior, incluindo, ainda, aqueles direitos e garantias expressos em tratados internacionais de que o Brasil seja parte.
Mas não bastam boas leis, decretos e tratados para a vigência dos direitos humanos; é preciso que todos os cidadãos conheçam seus direitos, lutem por eles e tenham acesso à Justiça. Para a defesa dos cidadãos paulistanos foi criada, em São Paulo, a Comissão Municipal de Direitos Humanos (CMDH-SP), instalada oficialmente em 11 de setembro último.
A comissão oferece amparo às pessoas que tiverem seus direitos sociais, políticos, econômicos e culturais violados no município de São Paulo, por autoridades municipais, estaduais e federais. Ela recebe denúncias, procura apurar os fatos, mapear e caracterizar casos de violação desses direitos.
A comissão fará pesquisas e estudos sobre os problemas sociais que afligem o paulistano e produzirá relatórios para divulgação pelos meios de comunicação. O novo órgão atuará também em colaboração com as ouvidorias públicas e com movimentos e comissões que trabalham na defesa dos direitos humanos.
Isso quer dizer que, violado um direito fundamental, recorre-se, antes de mais, ao sistema nacional administrativo ou judicial e, falho ou omisso este, pode-se solicitar o pronunciamento do sistema internacional de proteção e defesa dos direitos humanos.


Tendo sido os direitos fundamentais violados às escâncaras, os brasileiros podem recorrer a uma nova instância


Ora, o Brasil reconhece a competência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, instituída pela Convenção Americana, para conhecer de violações de direitos humanos praticados pelo Estado brasileiro e aceita jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Está, dessa maneira, obrigado a cumprir as recomendações da comissão e as decisões da corte. Aliás, é o que dispõe a Convenção Americana, em seus artigos 51, 2 (a comissão fará as recomendações pertinentes e fixará um prazo dentro do qual o Estado deve tomar as medidas que lhe competem para remediar situação examinada) e 68 (os Estados-partes na convenção se comprometem a cumprir a decisão da corte em todo caso em que sejam partes).
A obrigatoriedade do cumprimento das decisões da comissão e da corte aparece, destarte, de forma clara e incisiva.
Essas decisões não precisam passar pelo crivo do Supremo Tribunal Federal pelo simples fato de que não se trata de uma sentença estrangeira, sujeita à homologação (artigo 102, I, "h", da Constituição Federal), mas de uma sentença internacional que o Brasil se obriga a cumprir.
As partes, de posse de uma sentença da corte, podem fazer valer seu direito, seja atuando individualmente, seja mediante o Ministério Público (artigo 127 da Constituição), diretamente contra o Estado devedor.
Não há que falar, no caso, em prevalência da Justiça nacional, apelando-se para um conceito já ultrapassado de soberania, mas de cumprimento de obrigações livremente assumidas pelo país nas suas relações internacionais.
Como se vê, tendo sido os direitos fundamentais violados às escâncaras, diante dos olhos passivos da Justiça, os brasileiros podem recorrer a uma nova instância, para de qualquer forma restabelecê-los, contribuindo, com essa atitude, para o aperfeiçoamento do Estado democrático de Direito.


Hélio Bicudo, 80, jornalista e advogado, é vice-prefeito do município de São Paulo e presidente da CMDH-SP. Foi deputado federal pelo PT-SP (1990-94 e 1995-98) e presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos). Margarida Genevois, socióloga, é vice-presidente da CMDH-SP e ex-presidente da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo.


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