São Paulo, terça-feira, 10 de dezembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Novo governo, novas energias

RICARDO ARNT

O Estado quebrado, a privatização malograda e o racionamento de energia criaram um monstro de Frankenstein no setor elétrico. O novo governo terá de resolver desequilíbrios estruturais, problemas regulatórios e descobrir bilhões para investir em geração. Os impasses demandam um mágico, de preferência zen-budista. Mas, entre inúmeras decisões urgentes e complexas, há uma estratégica.
Em abril, o Congresso criou o Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Renováveis de Energia), que determina à Eletrobrás comprar por preço subsidiado 3.300 MW/h de energia eólica, de biomassa e de pequenas centrais hidrelétricas -uma fatia (4,5%) de reserva de mercado. A lei induz as energias renováveis a crescerem 15% por ano durante 15 anos, até atingir 10% da capacidade instalada do país. Faz sentido. O Brasil pode ser um dos maiores produtores de energia do século 21, e o fato de ela ser renovável ou não fará toda a diferença.
Como se sabe, as perspectivas são excelentes. Há 318 usinas de cana-de-açúcar operando no país. Apenas 50 vendem alguma energia produzida por co-geração para a rede pública. A indústria canavieira tem a oportunidade de agregar valor, constituindo-se em uma rede descentralizada de pequenos produtores privados capaz de gerar 3.800 MW/h de energia limpa. Tudo isso recebendo "créditos de carbono" quando o Protocolo de Kyoto estiver consolidado, em 2003.
Há um mar de cana só no Estado de São Paulo. Trinta usinas já solicitaram financiamento no BNDES para reformar as caldeiras e aproveitar o bagaço com mais eficiência a fim de gerar mais energia. No dia em que a palha, queimada hoje na lavoura como lixo, também for aproveitada, talvez a geração se torne mais atraente do que a co-geração.
O potencial da energia eólica é muito maior. As cinco usinas comerciais que usam a energia sem contra-indicações do vento no país geram apenas 20,5 MW/h. Mas o "Atlas dos Ventos do Brasil", da Eletrobrás, localiza sítios capazes de gerar 147.000 MW/h -nada menos que o dobro da capacidade energética do país.


Quase todos os países europeus subsidiaram a decolagem das energias renováveis. O custo tende a cair com o uso


O Brasil tem ventos fortes e regulares no Nordeste e no Rio Grande do Sul, com médias anuais de velocidade de 8 m/s a 9 m/s. Os alemães vibram com ventos de 6 m/s. A Aneel já autorizou a implantação de 58 centrais eólicas. Há 26 em tramitação.
Por sua vez, as minihidrelétricas de até 30 MW/h de geração podem ser construídas em tempo recorde e inundam menos área. A Companhia Cataguazes Leopoldina acaba de construir a de Benjamim Mário Baptista, em Minas Gerais, em 362 dias. Em dois anos, 40 pequenas centrais hidrelétricas podem agregar 850 MW/h. A Eletrobrás inventariou oportunidades de empreendimentos que incorporariam mais 9.800 MW/h à rede. O grande entrave, paradoxalmente, é a legislação ambiental, lenta e burocrática.
O problema é que as energias renováveis custam mais caro do que a energia "velha" de hidrelétricas amortizadas (e subsidiadas) há 20 anos. Desde abril a Aneel delibera sobre o preço que a Eletrobrás deverá pagar aos produtores dessas energias, sem chegar a uma decisão -tarefa que ficará para o próximo governo. Esse valor pode deflagrar, adiar ou distorcer a expansão do setor.
Quase todos os países europeus subsidiaram a decolagem das energias renováveis. O custo tende a cair com o uso. Só que o Brasil, neste momento, carece tanto de recursos quanto precisa de mais energia. Investir em hidrelétricas convencionais que ofereçam melhor relação entre custo e benefício pode ser mais conveniente.
A indefinição já está gerando efeitos perversos. Há dois anos era praticamente impossível fechar um contrato de compra e venda de energia de biomassa. Mas as vantagens do negócio e a demanda a longo prazo induziram as usinas de cana-de-açúcar e as distribuidoras a reduzir as expectativas e a chegarem a um acordo. Hoje, distribuidoras como a CPFL e a Elektro estão comprando ativamente energia de co-geração, mas pagando preços mais baixos do que os preços especulados em Brasília para o Proinfa. Resultado: vários projetos de modernização de usinas foram suspensos, na expectativa de que o programa garanta melhores preços. Grandes investidores em energia eólica também suspenderam projetos.
Regulamentar o Proinfa é imprescindível. Mas as políticas de subsídios podem ser tão decisivas quanto danosas. Quando o mercado funciona sozinho, as forças econômicas tendem a se acomodar. Às vezes, precisam de um empurrão para funcionar. O xis do problema é que, no Brasil, a intervenção estatal precisa de mais eficiência e autocrítica do que de apologia.


Ricardo Arnt, 51, jornalista, é editor da revista "Exame" e autor de "Um Artifício Orgânico: Transição na Amazônia e Ambientalismo".


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