São Paulo, sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Poder e responsabilidade, Brasil e Irã

ROXANA SABERI


Agora é o momento de provar se as boas intenções declaradas pela próxima presidente do Brasil na questão do Irã vão se converter em ações concretas

No momento em que o Irã e as principais potências mundiais retomam as negociações em torno do disputado programa nuclear de Teerã, me recordo das palavras de Mahvash Sabet, um de meus colegas de cela na prisão iraniana de Evin, no ano passado.
Sabet me disse: "Roxana, quando você voltar à América, por favor, diga às pessoas que nosso país não se resume à questão nuclear. É também um país de gente como nós".
Essa mensagem não vale apenas para a América, mas também para países como o Brasil, um ator internacional de influência crescente, cujas palavras têm peso e eco no regime islâmico do Irã.
Mahvash é um dos sete líderes da religião iraniana bahá'í, vista como a maior minoria religiosa não muçulmana no país. Esses sete homens e mulheres estão cumprindo penas que se acredita serem de dez anos de prisão.
Os líderes bahá'í foram acusados de fazer espionagem para Israel, acusação falsa, que negaram, e de terem formado um organismo nacional que cuida das necessidades administrativas da comunidade bahá'í iraniana.
Ativistas dos direitos humanos dizem que os bahá'í estão entre mais de 500 prisioneiros de consciência no Irã, que estão sendo punidos por buscarem desfrutar pacificamente de direitos humanos básicos, como as liberdades de expressão, reunião e associação.
Há 25 jornalistas encarcerados hoje no Irã, fazendo do país a terceira maior prisão de jornalistas no mundo, segundo o grupo Repórteres sem Fronteiras, que defende os direitos da categoria.
Ativistas estudantis e dos direitos das mulheres, advogados, membros da oposição política e outros também foram encarcerados.
Alguns prisioneiros relataram que foram fisicamente torturados, e há relatos de abusos sexuais cometidos contra homens e mulheres. Pelo menos sete presos políticos foram executados neste ano.
Meu julgamento foi uma farsa, como é o caso de muitos no Irã. O juiz me considerou culpada sem sequer me interrogar. Meu advogado me disse repetidas vezes estar sofrendo "pressões"; "provas" contra mim foram forjadas, e a confissão falsa que acabei por retratar enquanto ainda estava detida foi usada contra mim, resultando em sentença de oito anos de prisão.
Não fosse pela atenção internacional que tive a sorte de receber, é provável que eu ainda estivesse na prisão. Centenas de prisioneiros de consciência que vivem situações semelhantes no Irã precisam do mesmo tipo de apoio internacional, hoje. O governo brasileiro deveria lançar apelos pela libertação deles.
Poderia, também, apoiar iniciativas multilaterais, como a reivindicação de enviado especial da ONU para investigar e relatar a situação de direitos humanos no Irã, além da autorização de entrada no Irã de outros especialistas independentes da ONU em direitos humanos.
A presidente eleita Dilma Rousseff também tem condições de exercer um impacto positivo sobre os direitos humanos no Irã, como mostrou em entrevista recente ao jornal "Washington Post".
Será altamente bem-vinda a continuação do foco de seu antecessor sobre a busca de uma solução pacífica para a disputa em torno do programa nuclear iraniano, mas, ao mesmo tempo, é preciso priorizar os direitos humanos.
Agora é o momento de provar se as boas intenções declaradas pela próxima presidente do Brasil se convertem em ações concretas.
É hora de ser a voz daqueles que não têm voz. O poder se faz acompanhar pela responsabilidade.

Tradução de CLARA ALLAIN

ROXANA SABERI, 33, jornalista americana, foi encarcerada por cem dias em 2009 no Irã. É autora do livro "Entre Dois Mundos - Minha Vida de Prisioneira no Irã" (ed. Larousse).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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