São Paulo, sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

JOSÉ SARNEY

Ler e viajar nas palavras

O notável discurso que Mario Vargas Llosa pronunciou ao aceitar e receber o Prêmio Nobel é uma peça literária, dessas que recentemente não é fácil encontrar.
Profissional da escrita, fez o que um escritor do seu porte não dissimula na controvérsia de gerar dúvidas existenciais: o elogio da leitura e da ficção, descritos na magia do que constrói tudo isso, a palavra.
A mais breve e sucinta definição de literatura que li foi de Margarida Patriota: a arte de escrever com a arte. Mas a arte de escrever é a de eternizar sentimentos, emoções, fatos, paisagens, vivências, ideias.
O discurso de Mario é de uma simplicidade comovente, em que mistura as histórias de sua infância, os personagens que lhe criaram o ambiente para descobrir o mundo, com a construção dos livros de seus autores preferidos, como Flaubert, Tolstói, Thomas Mann e tantos que nos consumiram os dias e as noites na aventura de viver com eles na ficção, que Vargas Llosa privilegia no discurso sobre a sua experiência pessoal.
O homem é o único animal que possui a linguagem, e a linguagem se desenvolve na existência da palavra; e a palavra escrita tornou possível preservar a memória do tempo.
A escultura, a pintura, a música sublimam o tempo com o auxílio da palavra. A pedra ou o mármore guardam de maneira estática gestos, a beleza no seu conjunto e na sua eternidade imóvel, mas é a palavra dinâmica que tem o poder de completar o próprio mármore ao descrevê-lo, recriá-lo e juntar-se aos mesmos mundos que são produzidos pelo talento humano.
A música é a palavra navegando num espaço de transfigurações e emoções, que se tornam definitivas através dessas formas que convivem com o sonho da poesia.
Vargas Llosa faz uma longa meditação sobre a ficção, que tem o poder de levar-nos a participar da criação divina, romper com as leis físicas e criar mundos, histórias, pessoas que vivem milhões de vezes sempre que seus leitores os constroem. É vermos Anna Karenina, bela e deslumbrante, na sua mocidade e acompanhá-la até os cabelos brancos e a solidão de sua velhice.
Eu, quando nasci, recebi de Deus um amigo, que nunca me abandonou, ajudou-me em todos os momentos e encheu os meus vazios: o livro.
Foi ele que me ensinou a contar, a ver as cores e as árvores, o próximo e o amor. Foi ele que ficou debaixo dos meus olhos, talvez um quarto da minha vida, noites e madrugadas em que Cervantes me contava as histórias do Quixote ou as "Novelas Exemplares".
Esse elogio da palavra, do livro, da leitura e da ficção é das melhores páginas que Vargas Llosa escreveu em sua vasta obra.

JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.

jose-sarney@uol.com.br


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Ruy Castro: Cinismo pacífico
Próximo Texto: TENDÊNCIAS/DEBATES
Roxana Saberi: Poder e responsabilidade, Brasil e Irã

Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.