São Paulo, quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

As armadilhas do terror

ALBERTO SILVA FRANCO, RENATO CAMPOS PINTO DE VITTO e RENATO SÉRGIO DE LIMA

Se vencer o discurso do terror, estaremos aceitando jogar o jogo dos criminosos, no qual o Estado de Direito já entra em desvantagem

O ANO de 2006 encerrou-se sob o signo do medo e instaurou uma nova fase no debate sobre o crime e a violência no Brasil, que envolve enfrentar ataques de criminosos contra profissionais de segurança pública, meios de transporte e, mesmo, contra a população.
Como reação a tais fatos, o ano de 2007 começa com dois movimentos.
O primeiro é positivo e merece ser incentivado. Trata-se da intenção declarada pelo presidente da República e por alguns governadores de buscar a implementação de ações conjuntas e coordenadas na área, independentemente da luta político-partidária.
O segundo é preocupante, pois, na medida em que o modo como se dará o enfrentamento será central no impacto esperado na luta contra a violência, o debate inaugurado a partir dos episódios verificados no Rio de Janeiro está centrado, em demasia, na categorização de tais ações enquanto atos de "terrorismo" ou não.
O risco embutido nessa lógica reside em reforçar um modelo que valoriza a segurança do Estado em detrimento da segurança da sociedade.
Por conseguinte, as medidas que tendem a ganhar destaque são aquelas de natureza meramente dissuasória, típicas dos jogos de guerra. Porém, não há uma reflexão mais acurada sobre a eficiência e a efetividade de tais ações.
Um exemplo são os investimentos em inteligência, que confundem, muitas vezes, inteligência policial com inteligência de Estado. Pela primeira deveríamos entender o fortalecimento de mecanismos de prevenção de crimes e/ou de subsídios ao esclarecimento de casos. A informação assume papel estratégico no desenho de políticas públicas e, por meio dela, as instituições e os governantes podem ser responsabilizados e ter suas ações avaliadas.
A questão é que o Brasil clama, há muito tempo, por uma política de segurança pública que, exatamente ao contrário da visão do terror, aja sem a lógica do pânico, busque integrar esforços de modernização da gestão das polícias e das demais instituições públicas envolvidas -sejam elas estaduais, municipais ou federais- e contemple a prevenção e o uso de informações como elemento estruturador da ação estatal.
Nossas polícias têm uma importante missão constitucional, recaindo sobre tais instituições enorme responsabilidade pelas condições de vida da população. Seu papel, no entanto, não exaure o conteúdo de uma verdadeira política de segurança, a qual depende da ação de inúmeras outras instituições públicas.
Os três Poderes da República não podem deixar de dar respostas ao vilipêndio do Estado de Direito: respeito irrestrito às garantias constitucionais, ampliação e aprimoramento do acesso à Justiça e das políticas sociais, assistência jurídica de qualidade, revisão das normas processuais penais, incentivo à prevenção da violência, ao combate à criminalidade organizada e à impunidade e ao fomento às instituições públicas tecnicamente eficientes e transparentes, respeito e valorização de profissionais qualificados etc.
A superação de práticas burocráticas terá muito mais impacto do que reformas legislativas extemporâneas que, mais uma vez, diante do pânico, apostam que o direito penal é a solução para os principais problemas da segurança pública. Essa é uma falsa premissa e que reproduz a tendência de uma produção legislativa por espasmos motivados por atos pontuais.
Mais do que endurecer penas, a revolução na prevenção e no enfrentamento da violência passa pela criação e desobstrução dos canais de intercâmbio de informações entre os vários atores envolvidos, aqui incluídos os municípios e as instituições da área econômica do governo, num movimento de atribuir responsabilidades, monitorar processos e criar mecanismos que envolvam Estado e sociedade num contínuo projeto nacional de justiça e desenvolvimento social.
Se a opção pelo discurso do terror for a vencedora, estaremos aceitando jogar o jogo dos criminosos, no qual o Estado de Direito já entra em campo em desvantagem e na defensiva. Isso porque o terror paralisa, pede respostas imediatas e abre brechas para que a violência seja a linguagem que articula as ações.


ALBERTO SILVA FRANCO, 75, desembargador de Justiça aposentado, é presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais). RENATO CAMPOS PINTO DE VITTO, 32, é primeiro subdefensor público-geral do Estado de São Paulo e coordenador da Comissão Especial de Justiça e Segurança Pública do IBCCrim. RENATO SÉRGIO DE LIMA, 36, doutor em sociologia, é coordenador-chefe do Departamento de Comunicação do IBCCrim.

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