São Paulo, segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Novos desafios da Justiça Desportiva

ORLANDO SILVA e WLADIMYR CAMARGOS


As mudanças no Código Brasileiro de Justiça Desportiva já estão em vigor e, portanto, passam a valer nos campeonatos deste ano


SEMPRE QUE um jogador de futebol é suspenso por algumas partidas ou um velocista é banido do esporte flagrado em exame de dopagem, aplicam-se punições e as formas de processamento previstas no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD). Segundo a Lei Geral do Desporto (Lei Pelé), essa norma é aprovada pelo Conselho Nacional do Esporte (CNE) e se aplica a todas as modalidades existentes em nosso país, exceto ao Comitê Olímpico Brasileiro e ao Comitê Paraolímpico Brasileiro.
O CNE decidiu promover diversas e importantes modificações no código, reclamadas há tempos pela sociedade. As mudanças já estão em vigor e, portanto, passam a valer nos campeonatos deste ano. A reforma foi redigida pela Comissão de Estudos Jurídicos Desportivos (CEJD) do conselho, integrada pelos maiores nomes do direito desportivo brasileiro. Durante o ano de 2009, eles reuniram-se para analisar e debater minuciosamente cada um dos dispositivos do atual CBJD.
A comissão produziu uma primeira minuta da reforma do código, que foi submetida a um amplo processo de consultas públicas, conduzido em parceria com o Instituto Brasileiro de Direito Desportivo.
As cinco regiões do país receberam reuniões, em que os participantes puderam oferecer críticas e sugestões à proposta. Durante esse período, os interessados também puderam enviar ao ministério propostas de emendas por meio eletrônico.
Confederações, federações, clubes, dirigentes, árbitros, técnicos, atletas, membros dos órgãos da Justiça Desportiva e advogados participaram das consultas. As contribuições geraram modificação em mais de 60 dispositivos da minuta inicial. Assim, houve um processo de ampla abertura à expressão da opinião crítica, o que propiciou a qualidade ainda maior do texto final aprovado.
Esse foi o principal diferencial dessa atual reforma do CBJD. Entre as modificações, destacam-se aquelas vinculadas ao aprimoramento do processo desportivo, especialmente na melhor distribuição de atribuições internas nos tribunais, privilegiando a participação colegiada dos auditores nas decisões. Com maior transparência, a escolha de relatores de processos se dará sempre por sorteio, e as decisões deverão ser publicadas.
A escolha dos auditores das comissões disciplinares e dos procuradores-gerais também passará por mecanismos mais democráticos de elegibilidade, e a representação dos acusados deverá ser feita por advogados regularmente inscritos na OAB, com o objetivo de garantir o princípio da ampla defesa.
Para preparar a Justiça Desportiva brasileira para os grandes eventos, como a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016, o CBJD passa a remeter toda a matéria referente à punição por dopagem à normatização internacional.
A nova redação do código também prevê maior racionalidade e proporcionalidade na aplicação de punições aos atletas. Àquele que, apesar do erro, tiver bons antecedentes desportivos, poderá ser aplicada inicialmente pena de advertência. Em casos de menor lesividade, o procurador poderá deixar de requerer a punição final do esportista, desde que ele se comprometa a realizar trabalhos comunitários.
Também para as entidades de administração e de prática esportiva são previstos mecanismos de gradação da pena de multa, para que seja aplicada sempre de acordo com a sua capacidade financeira e a intensidade do fato punível. Os tribunais somente poderão revisar os casos graves e que notoriamente passaram despercebidos pela arbitragem. Dessa forma, o princípio da continuidade das competições ("pro competitione") é respeitado e evita-se a constante judicialização dos eventos esportivos.
As imagens televisivas podem, desse modo, continuar sendo uma importante ferramenta para esse intento. Assim, ao mesmo tempo em que se possibilita maior rigor contra quem cometeu erros e poderia continuar impune, é fundamental preservar o resultado em "campo".
As modalidades que não se sintam contempladas com a tipificação prevista na norma poderão propor ao CNE que inclua uma tabela de infrações próprias de seu esporte, o que consagra o caráter universal e sistêmico do CBJD.
Por tudo isso, um salto importante foi dado para dotar a Justiça Desportiva de ferramentas ainda mais democráticas, o que propiciará maior rigor contra maus atletas, dirigentes, árbitros, membros de comissões técnicas e entidades esportivas, além de ampliar a proteção do que melhor representa o espírito esportivo: o "fair play" e a alegria do espetáculo, com a beleza da torcida vibrando em paz.

ORLANDO SILVA, 38, é ministro de Estado do Esporte e presidente do Conselho Nacional do Esporte.

WLADIMYR CAMARGOS, 35, é mestre em direito, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, consultor jurídico do Ministério do Esporte e presidente da Comissão de Estudos Jurídicos Esportivos do CNE.


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