|
Próximo Texto | Índice
Aloprados e perplexos
Na luta de facções do PT, timidez e despautérios se alternam, e predomina a acomodação diante da crise ética do partido
REFUNDAÇÃO do partido?
Já não se fala mais nisso
nos círculos petistas. O
tema, lançado por setores minoritários do PT como recurso "in extremis" no auge da
crise do mensalão, ficou fora das
discussões que ocuparam o diretório nacional da sigla, reunido
em Salvador na data que marcou
os 27 anos de sua criação.
Corrupção? Alguém falou em
corrupção? Sim: noticia-se que
os signatários de um documento
intitulado "Manifesto ao Partido", entre eles o ministro Tarso
Genro, haviam feito referência
ao processo de "corrupção ética e
programática" que acomete a legenda. Mas a fórmula era ousada
demais; retiraram-na do texto.
De fato, não seria conveniente
se determinados setores do partido, ainda que bastante inconformados com sua falência moral, adotassem uma linguagem
tão próxima da utilizada pela
"imprensa oposicionista" .
Uma das raras unanimidades a
percorrer as diversas tendências
que se digladiaram em Salvador,
aliás, diz respeito aos meios de
comunicação. Caberia "democratizá-los", ou, para citar outra
fórmula presente nas discussões,
promover uma "radicalização da
liberdade de imprensa".
De Tarso Genro a Ricardo Berzoini, dos pragmáticos aos radicais, dos perplexos aos aloprados, o diagnóstico não difere. Se
o noticiário revelou tramóias de
que "ninguém sabia" -para repetir o mantra utilizado por todos-, a lógica militante conclui
que o foco da crise está no noticiário: que este seja, portanto,
"democratizado" radicalmente.
Quanto a "refundar" o PT
-fosse qual fosse o significado
da expressão-, a iniciativa, ao
que tudo indica, foi considerada
excessivamente... radical. Até
mesmo como expressão retórica.
Audácia e imaginação política
faltaram aos petistas nesse ponto, mas não deixam de cintilar
em alguns balões de ensaio que
integram as propostas em discussão. O documento "Um novo
rumo para o PT", assinado por
deputados ligados à ex-prefeita
Marta Suplicy, advoga a calamitosa idéia de que o presidente da
República possa convocar plebiscitos sem autorização do Congresso, para decidir sobre "questões de grande alcance nacional".
Seria a anistia ao ex-deputado
José Dirceu uma dessas questões? O assunto, como se sabe,
divide os próprios petistas, e
mais do que o irrelevante dilema
sobre silenciar ou não as críticas
à política monetária do governo,
o que esteve em jogo em Salvador foi uma simples luta entre
facções. Quanto da máquina partidária ficará ainda sob controle
do grupo ligado a José Dirceu?
Quanto será repartido entre Tarso Genro e Marta Suplicy?
Tudo "virou briga de máquina,
de levantar crachá": quem assim
descreve o processo decisório
nas reuniões do PT, em entrevista à Folha na última sexta-feira,
é uma das estrelas do partido, o
governador Jaques Wagner.
Considera esgotado o modelo
que organiza o PT em tendências diversas. Talvez tenha razão: os tempos da divergência
doutrinária, assim como do purismo ético, passaram para um
partido que se avilta no poder.
Próximo Texto: Editoriais: O vôo da Índia Índice
|