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RUY CASTRO
Ditadura da cacofonia
RIO DE JANEIRO - Há dias, um
homem foi morto na praia de Caraguatatuba (173 km de São Paulo)
por se recusar a baixar o volume da
suposta música que saía de seu carro. Digo suposta porque o noticiário
não informava o que ele estava tocando, embora se possa garantir
que não seria uma valsa, um samba-canção ou uma bossa nova. Esses
gêneros musicais já mataram muita
gente de paixão. A tiros, nunca.
Para alguns, pode ter parecido
inusitado: alguém foi à loucura com
o ruído desproporcional saído de
um equipamento de som e, na briga,
deu-se a tragédia. Pois, para mim, o
incrível é que não aconteça a três
por dois. Em toda parte, a toda hora,
pessoas ou comunidades inteiras
são agredidas pela boçalidade sonora de uma minoria que já ignora o
que seja viver em sociedade. E, se isso não desperta mais instintos assassinos, é porque suas vítimas temem desafiar quem ouve "música"
em tal volume. É como viver sob
uma ditadura -e, na verdade, vivemos sob a ditadura da amplificação.
O mundo já foi bem mais silencioso. Até os anos 60, a superamplificação de instrumentos ou de caixas de som era coisa restrita aos
profissionais. Não estava ao alcance
das pessoas comuns. Quem quisesse submeter-se à cacofonia, tinha
de ir aonde ela estivesse sendo produzida. Hoje, qualquer porta-malas
de Fusca dispara uma massa sonora
capaz de ensurdecer quarteirões
-e de levar a gestos desesperados.
Quem tem a infelicidade de ser
vizinho de bailes funk, igrejas evangélicas ou shows de "música" eletrônica já se perguntou se a vida no
inferno será muito pior. Se ele fechar as janelas, a vibração quebrará
os vidros. Se deixá-las abertas, sofrerá um estresse provocado por
aumento da freqüência do pulso, da
pressão sangüínea e da produção de
adrenalina. A lei do silêncio já existe. Mas é preciso torná-la um caso
de saúde pública.
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