São Paulo, quarta-feira, 11 de abril de 2001

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ANTONIO DELFIM NETTO
Mercosul, Alca e generosidade

Os economistas , às vezes, são ingênuos praticantes da "engenharia social" a serviço de políticos infrequentemente escrupulosos. E, não raramente, contrabandeiam para dentro de suas "teorias" inconfessáveis postulados ideológicos. Vendem como "boa teoria" proposições que não resistiram ao embate cuidadoso e continuado com a realidade, mas que são "crenças" produzidas por modelos simplificados que sustentam a sua concepção do mundo.
Em nenhum campo da teoria econômica isso é mais visível do que no do comércio internacional. Os livros de introdução a esse ramo da teoria têm, com frequência, mais de 700 páginas de boas descrições informativas e históricas, que são mimetizadas no comportamento de modelos simples, construídos de forma a responder da mesma maneira que a realidade. Não há, em geral, nenhum esforço para estimar quantitativamente tais respostas. Tudo bem resumido, parece que a única proposição que se pode ter como certa nessa teoria é que, para o bem-estar da nação, algum comércio é melhor do que nenhum comércio!
Esse argumento é de enorme relevância quando nos defrontamos com a necessidade de escolher políticas comerciais para o mundo real, onde há distorções de toda ordem, onde o desemprego é endêmico, onde existem economias de aglomeração, onde os custos sociais diferem dos custos privados, onde a geografia e a história contam e a geometria de Euclides não funciona.
O caso do Mercosul deve levar-nos a meditar muito sobre as consequências da Alca. As razões pelas quais os países se associam pela liberdade de comércio com tarifa zero podem ser políticas ou/e econômicas. No caso do Mercosul, existiam, obviamente, razões políticas e econômicas. O presidente José Sarney viu com clareza que ele reduziria a desconfiança e a suspeição que sempre acompanharam Brasil e Argentina ao longo de sua história. O passo para a união aduaneira foi dado nos Acordos de Ouro Preto, que o ministro Cavallo assinou alegremente. Ele percebeu a enormidade da distorção causada pela valorização do real, que pensava que iria "se mantener para siempre". O regime cambial brasileiro mudou e, agora, Cavallo defende a regressão da união aduaneira para uma zona de livre-comércio, ou seja, o fim do Mercosul.
Esse exemplo deve-nos levar a refletir sobre a urgência dos EUA para a construção da Alca. É ela política ou econômica? Há razões para pensar que, no futuro, progrediremos para uma união econômica com ampla liberdade de movimento de bens, serviços e fatores? Terão os EUA, com a sua tradição arrogante e paternalista que vem desde 1823 com a Doutrina Monroe, disposição de, um dia, compartilhar a governança daquela improvável união econômica, abdicando de parte de sua soberania, como fizeram os países europeus?
E o presidente Bush? Terá ele um ataque de generosidade depois de conseguir o "Trade Promotion Authority" ("fast track")? Ou o "fast track" vai colocar a Alca nas mãos dos poderosos "lobbies" que controlam o Executivo mais facilmente do que o Legislativo? E permitirão eles qualquer generosidade?


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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