São Paulo, segunda-feira, 11 de abril de 2005

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FERNANDO CANZIAN

Advogando para o diabo

É quase produto de um milagre a recuperação por que passam as contas externas brasileiras e, finalmente, a economia como um todo depois de um longo período de incertezas e crises até 2004. Por fora, o Brasil parece não ter mudado muito em dois anos sob Lula, infelizmente. Após uma etapa muito inicial de reformas fundamentais no Congresso em 2003, temos hoje Severino Cavalcanti dominando a agenda enquanto ""líderes" de partidos como o pefelista Inocêncio de Oliveira se deixam fotografar grotescamente fazendo as unhas dos pés na hora do batente. Pelo andar da carruagem e as ""prioridades" da agenda governista, é difícil acreditar que o Congresso produza algo de útil para o país neste ano. Nada parece ter mudado muito. Pobres e favelados continuam sendo assassinados por policiais, córregos transbordam destruindo bens de vidas inteiras sem que ninguém pague por isso, a Receita Federal continua aumentando os impostos e o presidente está viajando de novo. Mesmo na área econômica, basta uma boa olhada no ambiente tributário e na desorganização da burocracia estatal para constatar a quase aberração que é estarmos indo para frente. Mas, se continuamos mal, por que diabos vamos bem? Sem cerimônias, o que o governo brasileiro deveria fazer era aproveitar esta semana para render uma homenagem, mesmo que discreta, ao inimigo público número 1 dos petistas pré-2003: o Fundo Monetário Internacional. Antonio Palocci estará pela enésima vez nesta semana em Washington para a reunião do Fundo. Depois de ter anunciado a não-renovação do atual acordo, que deu ao Brasil o maior pacote de ajuda da história, seria a hora de dizer um adeus educado, com algum grau de agradecimento sincero. A ortodoxia do Fundo imposta ao Brasil e acatada pelo governo Lula parece ser a única coisa a dar sérios resultados. Desde o início, sem saber o que fazer, felizmente a política foi não fazer nada. Tomou-se a bula do ""demônio" e engoliu-se o remédio. O grande mérito do programa com o Fundo foi criar um tablado bem firme (os superávits primários) que permite um grau considerável de besteiras em cima sem que os fundamentos econômicos saiam muito do lugar. Alguns sábios preferem olhar para a ilusão da moratória argentina. Também não cansam de lembrar os programas sociais e obras que poderiam ser feitas não fosse a economia que o FMI impôs ao Orçamento. O fato é que a receita do Fundo está na base do atual ambiente econômico, do horizonte minimamente previsível e dos lucros recordes das empresas. Diante da criatividade e organização de várias áreas dessa administração, é pena a falta de mais bulas na prateleira. Como se viu, elas podem ser a salvação da pátria para governos carentes de imaginação.

Para mortais que prezam a vida acima de tudo, foram filas, papel e tinta demais para um papa que condenava até preservativo em tempos de Aids.


Fernando Canzian é repórter especial. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de João Sayad, que escreve às segundas-feiras nesta coluna.

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