São Paulo, segunda-feira, 11 de abril de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIA/DEBATES

Governo "beija-desastre"

JORGE BORNHAUSEN


Configurou-se, no caso da MP 232, a certeza de que o governo Lula não tem a menor noção das causas e efeitos dos seus atos
Esse apelido presta-se, exemplarmente, para indicar que o governo Lula, depois de jogar fora a virtude da esperança com que a sociedade democrática protege seus mandatários, perdeu o benefício da dúvida. O que Lula fizer, a partir de agora, não tem apenas o laivo da suspeição do erro, mas a indicação de que não dará certo. Um governo que erra sistematicamente cumpre uma vocação.
A derrota no caso dos aumentos de imposto da medida provisória nº 232 talvez tenha sido um dos menores prejuízos causados pelo presidente. Não me recordo de haver assistido a um qüiproquó político tão ridículo nem demonstração maior de inaptidão para o exercício do poder do que a série de erros cometidos pelo governo Lula nos 90 dias desde o lançamento da MP 232.
A começar pela data fixada para a medida provisória, que só pode ter ocorrido em um fictício dia "32" de dezembro de 2004. Teoricamente assinada em 30 de dezembro -para ter o benefício da anualidade tributária-, a MP foi publicada em edição do "Diário Oficial" com data atrasada, circulando na segunda-feira, dia 3 de janeiro. E, por ironia, teve sua republicação, com a revogação humilhante da sua banda podre, no dia 1º de abril.
Escrevi que a MP 232 foi uma demonstração de inapetência para o exercício do poder porque somente a falta de interesse no acompanhamento e percepção da realidade -com a transferência total das responsabilidades de decisão a assessores e burocratas- explica o fato de o presidente ter levado tanto tempo para perceber a monstruosidade do seu ato.
A sucessão de erros mostrou que o presidente e sua equipe não trabalham, não ouvem (nem os seus próprios parlamentares), não lêem jornais nem as pesquisas que pagam a peso de ouro, nem vêem TV. Caso contrário teriam sido despertados para fenômenos impactantes como foi a eleição do deputado Severino Cavalcanti para presidente da Câmara, explosão cujos decibéis só não despertariam um surdo e na qual o aumento injustificado de tributos teve influência.
Mas o beija-desastre é obstinado e insensato, marcha compulsoriamente para o erro. Na semana retrasada ouvi, estarrecido, parlamentares governistas descreverem a apatia do presidente e de ministros submetidos a funcionários que -como se fossem tutores de incapacitados legais- decidiam o que fazer, sem ser contestados ou, ao menos, questionados. No caso da MP 232, os burocratas eram intransigentes, não ofereciam alternativas ou conselhos, mas impunham texto único, que, como se viu no desfecho, era pior que inútil. Defenderam até a necessidade de compensações orçamentárias, como se fosse perda privar-se da arrecadação ilegítima do Imposto de Renda de trabalhadores.
Configurou-se, no caso da MP 232, a certeza, hoje generalizada, de que, além de não ter preparado um programa econômico e social e de estar repetindo tudo, inclusive os erros, do governo anterior, o governo Lula não tem a menor noção das causas e efeitos dos seus próprios atos. Esta, aliás, é a característica atribuída à figura popular do beija-desastre, geralmente o insano, o inebriado ou o distraído que não vê quem beija.
Ou será mesmo verdade que Lula, viajando tanto, realizando tantas performances eleitorais, não tem tempo para governar e delega a auxiliares até suas mais elementares obrigações constitucionais?
Depois de aprovar três ondas temerárias de aumento de tributos, o governo beija-desastre fracassou na quarta tentativa. Só o Palácio do Planalto não registrou as circunstâncias e os custos do aliciamento cínico, do troca-troca de favores e de nomeações por votos parlamentares para tais aprovações. Como é possível que o governo afirme que não houve aumento de tributos depois de ter imposto custos tão elevados aos brasileiros? Será que o governo acha que ganha alguma coisa vilipendiando os prestadores de serviços e os classificando como desprezíveis "pequenos burgueses"?
Na ânsia de camuflar a derrota na medida provisória, o governo Lula apelou para as patuscadas -caso da intervenção nos hospitais do Rio, para desestabilizar o prefeito Cesar Maia (que as pesquisas revelam ser o candidato anti-Lula que mais cresce), e do assalto aos créditos do governo do Estado de São Paulo. Duas ações equivocadas, mesquinhas e eleitoreiras. No entanto, como a oposição indicou, bastaria ter feito o que acabou fazendo, depois de humilhantemente derrotado: reduzir a MP 232 à atualização da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física.
Mas, como demonstra a sabedoria popular, o beija-desastre tem compromisso inarredável com o erro.
Jorge Konder Bornhausen, 67, é senador pelo PFL-SC e presidente nacional do partido. Foi governador de Santa Catarina (1979-82) e ministro da Educação (governo Sarney) e da Secretaria de Governo da Presidência da República (governo Collor).

bornhausen@senador.gov.br


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Antônio Marcos Capobianco: Litoral norte pode morrer na praia

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.