São Paulo, quarta-feira, 11 de maio de 2005

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ANTONIO DELFIM NETTO

Taxa de juro neutra

Na última reunião do Copom (Conselho de Política Monetária do Banco Central), seus membros julgaram necessário elevar pela oitava vez consecutiva a taxa básica de juros (Selic) em 25 pontos (um quarto de 1%), fixando-a em 19,5% ao ano. O mercado mantém uma expectativa de taxa de inflação para os próximos 12 meses da ordem de 5,6%, o que significa que a taxa básica de juros reais no Brasil é da ordem de 13,2%, sem dúvida a maior dos países civilizados em matéria monetária.
Ninguém explica por que, depois de oito meses de elevação do juro real, a inflação medida pelo IPCA dá poucos sinais de que esteja declinando. No último trimestre, o IPCA acumulado foi da ordem de 1,79% (cerca de 0,59% ao mês). Pois bem: a taxa média de inflação mensal medida pelo IPCA nos últimos 75 meses é exatamente 0,58% ao mês. Desde a mudança da política cambial, em janeiro de 1999, a taxa mensal do IPCA se comporta como uma variável estocástica estacionária com média de 0,58% e variância declinante. Não se nota o efeito da política monetária, a não ser nas crises graves (desvalorização de 1999 e sucessão presidencial 2002/03), quando juros agressivos, ajudados por ampliação do aperto fiscal (aumento do superávit primário), reconduziram a taxa à sua média com relativa rapidez. Sem o apelo ao "contrafactual" (se o Banco Central não existisse, a taxa de inflação seria crescente), nada sugere a eficácia da política monetária, fora os momentos de crise.
O efeito devastador do diferencial, entre a taxa de juro real de 13,2% ao mês e as taxas de juros reais prevalecentes no mercado financeiro mundial, sobre a taxa de câmbio é cinicamente ignorado com a desculpa de que "até aqui as coisas vão bem": as exportações continuam crescendo... Pela quarta vez em 15 anos, estamos insistindo em ignorar os efeitos deletérios da sobrevalorização cambial sobre o futuro das exportações. Não deveríamos esquecer que, pelos padrões internacionais e pela dimensão do nosso PIB quando calculado pela paridade do poder de compra, o Brasil só será um país "normal, vigoroso e à prova de crise" quando exportar em torno de US$ 200 bilhões (a dólares de 2004)!
Isso sem insistir na desarticulação do sistema industrial brasileiro, produzido por uma taxa de juro real de 13,2% paga pelo papel mais líquido e mais seguro do mercado. A taxa de juro natural ("neutra") é aquela que é consistente com uma inflação estável quando o PIB se encontra próximo ao seu "potencial". Ela é, obviamente, difícil de calcular porque varia no tempo, de acordo com a produtividade, as condições estruturais da economia, as preferências dos agentes entre o presente e o futuro, a dimensão do déficit público etc.
Estudos realizados no Banco Central Europeu mostram que ela é, na Eurolândia, qualquer coisa entre 2% e 3%. A OCDE sugere que nos Estados Unidos ela varia de 2% a 5%, mas estudos americanos sustentam que a taxa tem diminuído e se encontra hoje entre 2,75% e 3% ao ano, cinco vezes menor do que a nossa!


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
@ - dep.delfimnetto@camara.gov.br


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