São Paulo, quarta-feira, 11 de maio de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A "Amazônia Azul"

ROBERTO DE GUIMARÃES CARVALHO

Em artigo anterior, sob o título "No mar, a nossa última fronteira" (pág. A3, 14/4), discorri sobre a proposta apresentada pelo Brasil, em setembro de 2004, à Comissão de Limites da ONU, com o pleito do prolongamento da plataforma continental, conforme previsto na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Mencionei ainda que, se o nosso pleito for aceito, isso representará a incorporação de uma área de cerca de 900 mil km2 à jurisdição nacional.
A área acima, somada aos cerca de 3,5 milhões km2 da zona econômica exclusiva (ZEE), perfaz um total de 4,4 milhões km2, o que corresponde aproximadamente à metade do território terrestre nacional ou, ainda comparando as dimensões, a uma nova Amazônia. É essa imensa área marítima que a Marinha vem, insistentemente, chamando de "Amazônia Azul".
A escolha desse nome não tem como propósito criar uma espécie de disputa com a Amazônia verde, que, por conter parcela considerável da água doce do planeta, reservas minerais de toda ordem e a maior biodiversidade da Terra, tornou-se riqueza conspícua o suficiente para, após a percepção de que se poderiam desenvolver ameaças à soberania nacional, receber a atenção dos formuladores da política nacional, como pode ser constatado por uma série de notáveis iniciativas governamentais que visam a consolidação de sua integração ao território nacional, a garantia das fronteiras, a ocupação racional do espaço físico e a exploração sustentada dos importantes recursos naturais ali existentes.
O que pretendemos é chamar a atenção da sociedade brasileira para uma outra imensa área pela qual também temos obrigação de zelar e que deveria merecer os mesmos cuidados e preocupações, tal a sua importância estratégica e econômica.
Por ela circula cerca de 95% do nosso comércio exterior (importações e exportações), cujo valor total deve alcançar, no corrente ano, aproximadamente US$ 156 milhões. Mas não é só o valor financeiro que conta, pois, em tempos de globalização, vários dos bens que produzimos empregam insumos importados, de sorte que qualquer interferência com o nosso livre trânsito sobre os mares -o que pode ocorrer em situações de crise- pode nos levar rapidamente ao colapso. Como agravante, a grande maioria dos bens que importamos e exportamos é transportada por navios de outras bandeiras, tal a situação a que foi conduzida a nossa marinha mercante.


Não parece lógico nem prudente descurarmos dos diversos componentes do nosso poder marítimo

Isso, evidentemente, é danoso ao país sob vários aspectos: estamos perdendo divisas na "conta frete"; estamos tirando emprego de brasileiros; e constatamos ser quase inviável a realização de uma mobilização no setor marítimo, caso necessário.
Das plataformas localizadas na ZEE -e, portanto, na Amazônia Azul- extraímos aproximadamente 80% da nossa produção de petróleo, cerca de 2 milhões de barris/dia, o que, a preços conservadores, é coisa da ordem de US$ 2 bilhões por mês. Novamente não é só o valor financeiro que conta. Privados desse petróleo, cujos campos de exploração se situam cada dia em águas mais profundas, logo mais afastadas do litoral, a decorrente crise energética e de insumos paralisaria em pouco tempo o país. No setor pesqueiro, outra grande riqueza potencial da nossa Amazônia Azul, temos que, além de impedir a pesca ilegal na nossa ZEE, melhorar em muito a nossa produtividade, o que, além de gerar empregos, possibilitará o aumento das exportações, trazendo divisas para o país, evitando ainda que, conforme determina a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, sejamos obrigados a permitir que outros Estados explorem essa riqueza que é nossa.
O potencial econômico da Amazônia Azul não se esgota nas atividades acima mencionadas. Poderíamos ainda citar: a navegação de cabotagem, para o que necessitaríamos de navios e de portos eficientes; o turismo marítimo, atividade altamente rentável e geradora de empregos, principalmente em um país com um vasto litoral, belas praias de águas quentes e pouquíssima incidência de fenômenos naturais adversos; os esportes náuticos, pelas mesmas razões do turismo; e, no futuro, a exploração dos nódulos polimetálicos existentes no leito do mar, hoje ainda economicamente inviável, mas no futuro certamente fonte de grandes riquezas.
Mas as responsabilidades do nosso país no Atlântico Sul não se limitam à Amazônia Azul. Por uma outra convenção internacional, também ratificada pelo Brasil, temos o compromisso de realizar operações de busca e salvamento em uma extensa área marítima que avança pelo oceano Atlântico, ultrapassando em muito os limites da Amazônia Azul. O navegante, quando emite um sinal de socorro, não está preocupado com as agruras do nosso orçamento, pois sabe que, por mais longe que ele esteja, será atendido.
Na Amazônia verde as fronteiras que o Brasil faz com seus vizinhos são fisicamente demarcáveis e estão sendo efetivamente ocupadas por pelotões de fronteira e obras de infra-estrutura. Na Amazônia azul, entretanto, os limites das nossas águas jurisdicionais são linhas sobre o mar. Eles não existem fisicamente. O que os define é a presença de navios, mostrando a nossa bandeira e exercendo a soberania.
Não parece lógico nem prudente descurarmos dos diversos componentes do nosso poder marítimo, e muito menos deixar de alocar à Marinha do Brasil os recursos e os meios imprescindíveis para que ela possa não só atuar na vigilância e na proteção desse imenso patrimônio mas também honrar os nossos compromissos internacionais, principalmente no momento histórico em que o nosso país pretende ter, como merece, uma voz mais ativa no cenário internacional.

Roberto de Guimarães Carvalho, 66, almirante-de-esquadra, é o comandante da Marinha.

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