São Paulo, quarta-feira, 11 de maio de 2005

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Ditadura das cruzinhas

CARLOS EDUARDO BINDI

Marcelo Coelho, em artigo publicado no dia 4 de maio ("O show de horrores dos colégios de elite", Ilustrada), faz uma avaliação dos colégios citados pelo mesmo jornal no caderno especial Colégios, "Os 16 mais", em que foi divulgado e comentado o resultado de pesquisa Datafolha sobre as escolas que mais aprovam no "topo" da USP. O jornalista fez sua análise a partir dos dados da publicação, aos quais juntou algumas inferências suas. Concluiu ter visto "o show de horrores dos colégios de elite", como estampa o título do seu artigo.
Se considerarmos como preciso o quadro que apresenta, dificilmente concluiremos algo diferente. O articulista começa questionando, com razão, o fato de se identificarem como os "melhores" colégios de São Paulo aqueles que apresentam maior aprovação na USP. Vale notar que, a rigor, a Folha não fez a associação "melhores no vestibular" e "melhores escolas".
Ocorre que o vestibular exerce, sim, uma influência nas expectativas de alunos e pais e até na forma de desenvolver uma programação. Mas reconhecer a influência do vestibular sobre o ensino médio não significa admiti-la perniciosa. É preciso ir além do primeiro olhar e verificar de que modo ela se efetiva.
"Os vestibulares são máquinas de fazer cruzinhas, sem qualquer aferição de conhecimentos relevantes? Os vestibulares premiam quem só decora fórmulas e se bitola?"


Não se pode acusar o vestibular de produzir nenhuma pressão perniciosa no conteúdo do ensino médio

Muitos dão resposta afirmativa a essas questões. Mas essa visão é antiga, preconceituosa, não correspondendo ao quadro real dos vestibulares.
A descrição do vestibular das "cruzinhas" passa longe dos exames que se praticam na USP, na Unicamp e na Unesp, para citar três grandes universidades públicas. Na Unicamp não há um único teste objetivo; na USP, toda a fase final de preenchimento das vagas se faz por meio de provas dissertativas; mais da metade dos pontos da Unesp provém de provas dissertativas. Nesses exames ninguém passa sem saber argumentar. Além disso, não custa lembrar que testes não são vilões que promovem apenas bitolados -muitos estudos mostram que seleções feitas com bons testes são equivalentes àquelas feitas com boas questões dissertativas.
De forma geral, as universidades públicas mostram muito discernimento no que perguntam, exigindo entendimento, e não simples memorização.
Pode haver quem prefira, desde o ensino médio, separar os estudantes em áreas distintas, mas o perfil de formação geral, solicitado pelo vestibular, com exigência de noções, essenciais em termos culturais, de humanidades (história, geografia, português e inglês) e ciências (matemática, física, química e biologia) é absolutamente defensável. Não se pode acusar o vestibular de produzir nenhuma pressão perniciosa no conteúdo do ensino médio.
Não há a ditadura das "cruzinhas" nem a dos conhecimentos irrelevantes.
Quanto à pressão para o estudo e sucesso, o artigo chega a associar fracassos escolares a atitudes desesperadas. O vestibular é apenas um dos momentos críticos que ocorrem na vida. Para muitos é o primeiro deles. Felizmente, o vestibular no Brasil não proporciona os exemplos dramáticos que outros países, por razões até culturais, exibem. Crises aqui são mais freqüentes adiante, no mercado de trabalho.
Podemos fazer muitas caricaturas de escolas e as associar a "pesadelos educacionais", mas são caricaturas, não escolas reais.
Escolas podem, sem reduzir a carga horária destinada ao ensino e ao aprendizado, fazer provas quase diárias com a finalidade de produzir aprimoramento do ensino e fixação gradual dos conceitos. Escolas podem também adotar outra concepção e educar sem praticar avaliações escritas. O fato é que as escolas não podem ser esquematicamente classificadas como as que preparam para o vestibular e as demais. A variedade nas formas de ensinar, de educar é muito ampla.
Educar, mais do que proferir belos propósitos nunca cumpridos, exige paixão. Paixão que pode ser exercida de forma diversa, como diversas são e devem ser as escolas e as pessoas.

Carlos Eduardo Bindi, 57, educador, é diretor do Etapa Ensino e Cultura.

@ - bindi@etapa.com.br


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