São Paulo, sexta-feira, 11 de maio de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOSÉ SARNEY

O papa em nossa casa

É MUITO DIFÍCIL ser papa depois de João Paulo 2º. Este teve uma grande cumplicidade com a história. Antes de tudo, foi o primeiro papa a viver a sociedade da informação, capaz de ser visto e acompanhado por todos e em todo lugar. Segundo, teve de atravessar o tempo da Guerra Fria, que levava o mundo à beira da catástrofe nuclear. Terceiro, coube a ele executar as reformas do Concílio Vaticano 2º, que provocou uma tempestade na igreja, e resolver o conflito ideológico com a Teologia da Libertação.
O atual papa vive uma só e irresoluta dificuldade: ser sucessor de João Paulo 2º. Quando escolheu o título de Bento 16, quase que ele quis dizer isso. Bento 15 foi escolhido cardeal três meses antes do seu antecessor morrer, num sinal claro de que deveria sucedê-lo. João Paulo 2º também fez sua escolha.
Ratzinger foi o intérprete de suas idéias, firme na pregação de uma igreja voltada para seus valores espirituais, o guardião da tradição, do código moral de Moisés, da pregação do Cristo e do radicalismo de são Paulo.
O papa Bento trabalha numa estrada estreita. A igreja é, mesmo às vezes contra nossa vontade, oferta de um caminho para encontrar aquilo que o nosso visitante disse quando lhe perguntaram sobre as seitas e seu crescimento: "Uma sede por Deus, pela proximidade de Deus". Ele reconhece que a Igreja Católica não é mais a única fonte para matar a vontade de beber.
Mas a igreja, por definição, tem de ser conservadora, no sentido de que vive de um código moral, canônico, que ela tem de defender, embora com os tempos a sociedade não o aceite integralmente, considerando muitos de seus valores anacrônicos e irracionais. É seu dever. A igreja política não deu certo.
A igreja revolucionária em armas não é a igreja de idéias de Bento e de João Paulo.
A "sede de Deus" vem da vontade do homem de ser imortal, vontade jamais alcançada e, por isso mesmo, chamada por Unamuno de "sentimento trágico". A proposta do Cristo foi a imortalidade da alma, nossa fé.
O papa é um símbolo para todos nós, e o Brasil, no calor e no carinho com que o recebe, mostra o prestígio da nossa igreja, de seu episcopado e de todos os que exercem a missionária tarefa de evangelizar. Não devemos recebê-lo com cobranças que ele não pode atender.
O papa lida com a eternidade. A igreja já avançou quando escondeu o diabo e flexibilizou (palavra da moda) o pecado.
Assim, louvemos frei Galvão, santo brasileiro, esperemos santa irmã Dulce e que não demore mais: são João Paulo 2º.


jose-sarney@uol.com.br

JOSÉ SARNEY
escreve às sextas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Nelson Motta: A estratégia do silêncio
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.