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JOSÉ SARNEY
O papa em nossa casa
É MUITO DIFÍCIL ser papa depois de João Paulo 2º. Este teve uma grande cumplicidade
com a história. Antes de tudo, foi o
primeiro papa a viver a sociedade
da informação, capaz de ser visto e
acompanhado por todos e em todo
lugar. Segundo, teve de atravessar
o tempo da Guerra Fria, que levava
o mundo à beira da catástrofe nuclear. Terceiro, coube a ele executar as reformas do Concílio Vaticano 2º, que provocou uma tempestade na igreja, e resolver o conflito
ideológico com a Teologia da Libertação.
O atual papa vive uma só e irresoluta dificuldade: ser sucessor de
João Paulo 2º. Quando escolheu o
título de Bento 16, quase que ele
quis dizer isso. Bento 15 foi escolhido cardeal três meses antes do seu
antecessor morrer, num sinal claro
de que deveria sucedê-lo. João
Paulo 2º também fez sua escolha.
Ratzinger foi o intérprete de suas
idéias, firme na pregação de uma
igreja voltada para seus valores espirituais, o guardião da tradição, do
código moral de Moisés, da pregação do Cristo e do radicalismo de
são Paulo.
O papa Bento trabalha numa estrada estreita. A igreja é, mesmo às
vezes contra nossa vontade, oferta
de um caminho para encontrar
aquilo que o nosso visitante disse
quando lhe perguntaram sobre as
seitas e seu crescimento: "Uma sede por Deus, pela proximidade de
Deus". Ele reconhece que a Igreja
Católica não é mais a única fonte
para matar a vontade de beber.
Mas a igreja, por definição, tem
de ser conservadora, no sentido de
que vive de um código moral, canônico, que ela tem de defender, embora com os tempos a sociedade
não o aceite integralmente, considerando muitos de seus valores
anacrônicos e irracionais. É seu dever. A igreja política não deu certo.
A igreja revolucionária em armas
não é a igreja de idéias de Bento e
de João Paulo.
A "sede de Deus" vem da vontade
do homem de ser imortal, vontade
jamais alcançada e, por isso mesmo, chamada por Unamuno de
"sentimento trágico". A proposta
do Cristo foi a imortalidade da alma, nossa fé.
O papa é um símbolo para todos
nós, e o Brasil, no calor e no carinho com que o recebe, mostra o
prestígio da nossa igreja, de seu
episcopado e de todos os que exercem a missionária tarefa de evangelizar.
Não devemos recebê-lo com cobranças que ele não pode atender.
O papa lida com a eternidade. A
igreja já avançou quando escondeu
o diabo e flexibilizou (palavra da
moda) o pecado.
Assim, louvemos frei Galvão,
santo brasileiro, esperemos santa
irmã Dulce e que não demore mais:
são João Paulo 2º.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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