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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Quem trabalha
pelo calote?
Quase todos subestimam o dinamismo reprimido da economia brasileira. Muitas empresas renovaram seus métodos de produção e se
prepararam para competir dentro e
fora do Brasil. Enquanto isso, os empreendedores emergentes aguardam,
nas sombras, a oportunidade de ascender e de produzir. Um juro real superior à taxa média de retorno dos negócios estrangula, porém, o crescimento econômico e assegura o triunfo
dos rentistas sobre os produtores.
Quase todos também subestimavam
a ameaça que a dívida pública interna
representa para a economia real do
país. Já não conseguem mais subestimá-la. O mercado financeiro, ainda
embriagado pela ganância, começa a
ficar sóbrio por força do medo.
Paga o governo ao menos os juros de
sua dívida interna, já que nem se fala
de amortizá-la aos poucos? A resposta
surpreendente a essa indagação elementar é: não, faz muito tempo que o
governo paga só pequena parte. O superávit primário -o excedente poupado pelo governo depois de cumpridas suas outras obrigações- não cobre, nem de longe, os juros. Os juros
devidos pelo governo federal para o
pagamento dos títulos de sua dívida
interna vêm sendo quatro vezes o superávit primário. O governo paga um
pouco e toma cada vez mais dinheiro
emprestado para pagar o resto. Como
os mais sabidos começaram a suspeitar que o governo e os investidores vão
acabar juntos no brejo, as autoridades
tiveram agora de encurtar os vencimentos dos novos títulos. Tentam
adiar a crise para o início do próximo
governo.
Por não ser paga, nem nos juros, a
dívida pública interna se multiplicou
por dez no mandato do atual presidente. Contribuíram a federalização
de parte das dívidas dos Estados e dos
municípios, bem como a desvalorização cambial, mas apenas como causas
subsidiárias. O governo completou o
maior ciclo de privatizações no mundo sem usar o dinheiro da venda para
reduzir o que deve.
Trata-se de variante do "esquema
Ponzi": espécie de estelionato em que
o estelionatário usa empréstimos novos para pagar os anteriores e para
ampliar sua capacidade de captação.
As vítimas não foram os credores, que
ficaram mais ricos. A vítima foi o país,
que ficou mais pobre.
É verdade que o problema está nos
juros, não no tamanho da dívida. Só
que fica difícil baixá-los quando os
credores já percebem que as obrigações do governo superam em muito a
sua capacidade de gerar excedentes
fiscais e de impor mais sacrifício.
Também é verdade que o crescimento
sustentável da economia resolveria tudo. Só que não há como crescer dentro dessa realidade. Apostaram que fazendo tudo no figurino atrairiam enxurradas de dinheiro para impulsionar o crescimento. Perderam a aposta.
Qualquer jogo como esse acaba e
acaba mal. Acaba mais cedo e menos
mal quando aparece quem se recuse a
participar dele e insista em descrever
os fatos como são. Para isso ajuda o
momento eleitoral.
Há anos, o governo e seus prepostos
procuram desqualificar as tentativas
de discutir a renegociação ordenada e
voluntária da dívida, assim como desqualificaram os críticos do regime ruinoso do câmbio fixo. Fechando as
próprias mentes e bloqueando a discussão, prepararam reestruturação da
dívida na marra e na desordem. Agora
debatem na surdina como e quando
ela virá, desde que seja após as eleições. Medrosos, submissos e sobretudo confusos, sem dinheiro e sem
idéias, trabalham, bem-intencionados, pelo calote e pela argentinização
do Brasil.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.idj.org.br
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