São Paulo, quinta-feira, 11 de julho de 2002

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OTAVIO FRIAS FILHO

Três coisas

A candidatura Ciro Gomes parece sofrer um deslocamento interessante. Depois que pesquisas eleitorais colocaram o ex-governador em situação de empate técnico com o candidato do governo, José Serra, a postulação daquele ganhou corpo. O PFL mantém um pé em cada canoa, numa cisão a ser cimentada tão logo uma delas garanta a passagem para o segundo turno. O empresariado procura dar mais atenção a Ciro; a mídia também. Na mesma medida, o candidato abandona um pouco do tom alternativo até agora dado a sua campanha: mostra empenho em organizar suporte partidário mais amplo, abranda os ataques ao atual governo, enfatiza que para governar um país como o Brasil é necessário negociar e fazer alianças. Antes, seu espaço parecia restrito à faixa de insatisfação com o binômio governo/PT. Agora, embora os recursos políticos à disposição de Serra ainda sejam imponentes, surgiu a possibilidade de que o anti-Lula venha a ser Ciro, não Serra. Daí o "reposicionamento", como dizem os marqueteiros, de sua candidatura, mais próxima do "establishment".

O leitor que acompanha o vai-e-vem da política diária se recorda da polêmica decisão da Justiça Eleitoral de verticalizar as coligações, exigindo que alianças no âmbito federal fossem replicadas na esfera estadual. O argumento era organizar e favorecer a consistência ideológica do quadro eleitoral. Partidos sem candidato a presidente ficaram livres nos Estados. O resultado concreto é dos mais esdrúxulos: Orestes Quércia de mãos dadas com o PT, que por sua vez está coligado ao PL evangélico, o qual apóia Paulo Maluf para o governo do Estado de São Paulo. Por mais que a geografia ideológica esteja transtornada no mundo inteiro, é incrível que o PT se tenha aliado não a um partido de centro, mas de direita pura e simplesmente. Essa geléia geral tem a ver com o colapso de reais alternativas, um fenômeno internacional, responsável, aliás, pela primazia gerencial e "moral" na avaliação de candidaturas. Os programas, ressalvados detalhes técnicos e fantasias de marketing, são quase os mesmos. O problema somente se acentuou com a desastrada intervenção do TSE.

Surpreende o fôlego do malufismo em São Paulo. Como é possível que lidere as pesquisas para governador de São Paulo um político tão desgastado, acusado de um sem-número de irregularidades, associado à imagem de mentira, mandonismo e brutalidade, adepto de uma visão estreita e anti-humanista de administração pública, flor populista do pântano ditatorial?
O eleitorado de Maluf, cerca de um terço dos votos, tem se mostrado "inelástico" para cima ou para baixo, como dizem os economistas. É a parcela da opinião pública que pensa a política como Maluf. A angústia com a insegurança pública pode acrescentar a fração que falta para uma vitória em primeiro turno, ainda improvável, mas talvez sua única chance.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.



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