São Paulo, quinta-feira, 11 de julho de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Intervenção federal no Espírito Santo
BELISÁRIO DOS SANTOS JR., FLAVIA PIOVESAN e LUIS ROBERTO BARROSO
Há um dado subjetivo relevante a considerar nessa questão: a quase totalidade das pessoas contatadas pelo CDDPH nas últimas semanas, protegidas pela informalidade e pelo sigilo, revelaram o medo intenso, o descontrole da situação e a sensação de desamparo ante a prevalência do crime, da impunidade, da impotência ou acobertamento por parte das autoridades competentes. Há praticamente consenso, a despeito do temor de manifestá-lo abertamente, de que o chefe do Executivo perdeu a capacidade de liderar o Estado e de que o crime organizado está infiltrado no Legislativo. A população do Espírito Santo é vítima de um pacto de medo, silêncio e cumplicidade, que favorece a criminalidade organizada e violenta, oprimindo todos os que tentam enfrentá-la. A possibilidade de intervenção federal para a proteção dos direitos humanos é uma inovação trazida pela Constituição de 1988. O caso do Espírito Santo era exemplar e emblemático para inaugurar a aplicação da nova regra constitucional. Nenhuma observação atenta deixará de constatar o quadro dramático de violação dos direitos humanos que lá se desenhou. Nem o grave comprometimento da ordem pública. A alegação do Conselho Federal da OAB, de que as autoridades públicas sofriam um processo de intimidação e de cooptação, pareceu-nos confirmada pelos fatos. Como consequência, a impunidade passou a alimentar novas violações, em um perverso ciclo vicioso. O CDDPH ouviu um pedido de socorro vindo de múltiplas direções. Entidades, organizações e pessoas dos mais variados credos, anseios, ideologias e interesses, que vão da arquidiocese à própria Procuradoria da República no Estado, compartilham do sentimento de que as instituições estaduais perderam a capacidade de reagir. Nossa recomendação pela intervenção federal se deu com base na estrita legalidade constitucional. Uma intervenção a favor, e não contra o Estado. O que se passou entre a aprovação unânime da intervenção no CDDPH e o arquivamento da representação pelo procurador-geral a história vai se encarregar de contar. Lamentamos pela decepção das pessoas que confiaram no conselho, sobretudo aquelas que arriscaram a vida e continuam sob risco. Em nossa indignada perplexidade, entendemos que, nesse episódio do arquivamento da esperança e da perspectiva de restauração da legalidade e da observância e respeito aos direitos humanos naquele Estado, só há a festejar a firmeza ética do ministro Miguel Reale Jr. A preocupação com os valores permanentes e com os direitos humanos, acima das contingências do calendário eleitoral, é um exemplo de integridade a ser admirado e seguido. Reale tornou-se ex-Ministro para não conceder o que não se deve conceder. Belisário dos Santos Jr., 54, é advogado. Foi secretário da Justiça do Estado de São Paulo (governo Mário Covas). Flavia Piovesan, 33, é professora-doutora de direito constitucional e direitos humanos da PUC-SP. Foi professora visitante do Programa de Direitos Humanos da Escola de Direito da Universidade Harvard, nos EUA (1995 e 2000). Luis Roberto Barroso, 44, advogado, mestre em direito pela Escola de Direito da Universidade Yale (EUA), é professor titular de direito constitucional da Uerj. Os autores são membros do CDDPH (Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: José Paulo Cavalcanti Filho: Os meios (de comunicação) justificam os fins? Índice |
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