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São Paulo, sexta-feira, 11 de julho de 2003

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JOSÉ SARNEY

Sua excelência, o criminoso

A nossa legislação, basicamente os direitos fundamentais da Constituição, assegura aos cidadãos somente serem presos em flagrante delito ou por ordem judicial. Ao irem para a prisão, têm direito a advogado, a identificação de quem os prende e a avisarem suas famílias, que devem ser assistidas. Sobre a vítima, aquela que é a grande atingida pelo crime, nada fala. Fica com seus danos físicos, morais, psicológicos e patrimoniais, muitos deles que se comungam aos de suas famílias, no esquecimento legal.
Nos últimos tempos, tem surgido uma preocupação maior com a vítima. Dentro do processo da violência, ela é a parte principal que desaparece para dominar a cena somente o crime e o criminoso. Em 1985, a Organização das Nações Unidas firmou uma Declaração sobre os Direitos das Vítimas. A partir de então, vários países procuraram alinhar-se nessa direção: Austrália, Bélgica, Inglaterra, Espanha, Portugal e muitos outros. No Brasil, a vítima continua a ser a grande ausente nesse mundo da violência em que se transformaram nossas cidades.
Apresentei projeto de lei ao Senado tentando reverter essa situação, dando às vítimas e a seus parentes carentes mais próximos o direito de interferir no processo e de acompanhá-lo, de reaver imediatamente os bens que lhe foram apreendidos, de ter advogado e acesso a um Fundo de Amparo às Vítimas, com recursos orçamentários provenientes de multas penais, bens de criminosos, e outras fontes, para socorrê-las, bem como a seus parentes mais próximos, carentes. Procuramos apoiá-las inclusive no caso de balas perdidas, em que não se sabe quem é o agressor, infelizmente um fato cada vez mais frequente.
O projeto preenche uma lacuna tentando contrabalançar o direito dos criminosos com o direito das vítimas. É uma legislação positiva, que visa à solidariedade, um olhar de humanidade sobre o processo da violência. Despertar a consciência moral, que necessita ser despertada, de maneira a que o autor do crime saiba que está liquidando um destino, destruindo uma família.
As estatísticas no Brasil sobre crimes, principalmente de homicídio, são terríveis. Temos apenas 3% da população mundial, mas temos 9% das mortes cometidas no mundo, isto é, 270 mil na década de 90. Nos últimos anos, esses números subiram a mais de 45 mil por ano. Para usar apenas um Estado, o de São Paulo, mais rico e mais aparelhado, apenas 30% dos crimes são investigados e somente 1,7% dos homicídios são resolvidos. Isso é arrasador.
O maior medo das pessoas é da violência -segundo o Ibope, para 28% das pessoas. De bala perdida, 9%! De sequestro, 10%, e do desemprego, 13%. As armas de fogo são um componente fundamental. Setenta por cento dos crimes são cometidos com elas. Cinquenta e quatro por cento dos jovens entre 10 e 14 anos as conhecem. A juventude mata e a juventude morre.
A pesquisa antropológica encontra os instrumentos de agressão, armas primitivas - em pedras, ossos, desenhos, pinturas, narrativas, peças, descrições de guerras, como as de Tróia e Jericó, e do crime individual, Agamenon, Efigênia, Clitemnestra.
Todo esforço contra a violência é uma obrigação. Este, de proteção às vítimas, é uma visão humana, que se insere no conjunto desse mundo cruel do crime.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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