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JOSÉ SARNEY
Sua excelência, o criminoso
A nossa legislação, basicamente
os direitos fundamentais da
Constituição, assegura aos cidadãos
somente serem presos em flagrante
delito ou por ordem judicial. Ao irem
para a prisão, têm direito a advogado,
a identificação de quem os prende e a
avisarem suas famílias, que devem ser
assistidas. Sobre a vítima, aquela que é
a grande atingida pelo crime, nada fala. Fica com seus danos físicos, morais, psicológicos e patrimoniais, muitos deles que se comungam aos de
suas famílias, no esquecimento legal.
Nos últimos tempos, tem surgido
uma preocupação maior com a vítima. Dentro do processo da violência,
ela é a parte principal que desaparece
para dominar a cena somente o crime
e o criminoso. Em 1985, a Organização
das Nações Unidas firmou uma Declaração sobre os Direitos das Vítimas. A partir de então, vários países
procuraram alinhar-se nessa direção:
Austrália, Bélgica, Inglaterra, Espanha, Portugal e muitos outros. No
Brasil, a vítima continua a ser a grande
ausente nesse mundo da violência em
que se transformaram nossas cidades.
Apresentei projeto de lei ao Senado
tentando reverter essa situação, dando às vítimas e a seus parentes carentes mais próximos o direito de interferir no processo e de acompanhá-lo, de
reaver imediatamente os bens que lhe
foram apreendidos, de ter advogado e
acesso a um Fundo de Amparo às Vítimas, com recursos orçamentários
provenientes de multas penais, bens
de criminosos, e outras fontes, para
socorrê-las, bem como a seus parentes
mais próximos, carentes. Procuramos
apoiá-las inclusive no caso de balas
perdidas, em que não se sabe quem é o
agressor, infelizmente um fato cada
vez mais frequente.
O projeto preenche uma lacuna tentando contrabalançar o direito dos
criminosos com o direito das vítimas.
É uma legislação positiva, que visa à
solidariedade, um olhar de humanidade sobre o processo da violência.
Despertar a consciência moral, que
necessita ser despertada, de maneira a
que o autor do crime saiba que está liquidando um destino, destruindo
uma família.
As estatísticas no Brasil sobre crimes, principalmente de homicídio,
são terríveis. Temos apenas 3% da população mundial, mas temos 9% das
mortes cometidas no mundo, isto é,
270 mil na década de 90. Nos últimos
anos, esses números subiram a mais
de 45 mil por ano. Para usar apenas
um Estado, o de São Paulo, mais rico e
mais aparelhado, apenas 30% dos crimes são investigados e somente 1,7%
dos homicídios são resolvidos. Isso é
arrasador.
O maior medo das pessoas é da violência -segundo o Ibope, para 28%
das pessoas. De bala perdida, 9%! De
sequestro, 10%, e do desemprego,
13%. As armas de fogo são um componente fundamental. Setenta por
cento dos crimes são cometidos com
elas. Cinquenta e quatro por cento dos
jovens entre 10 e 14 anos as conhecem.
A juventude mata e a juventude morre.
A pesquisa antropológica encontra
os instrumentos de agressão, armas
primitivas - em pedras, ossos, desenhos, pinturas, narrativas, peças, descrições de guerras, como as de Tróia e
Jericó, e do crime individual, Agamenon, Efigênia, Clitemnestra.
Todo esforço contra a violência é
uma obrigação. Este, de proteção às
vítimas, é uma visão humana, que se
insere no conjunto desse mundo cruel
do crime.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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