São Paulo, terça-feira, 11 de julho de 2006

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Almas e fatos

MAURO ARCE


Pergunto se temos noção do encarecimento do custo de um empreendimento que passa 20 anos em processo de desaceleração das obras


A VENDA DA CTEEP , empresa paulista de transmissão de energia elétrica, foi tema de artigo publicado neste jornal por Plínio de Arruda Sampaio, por quem tenho muito respeito.
Cavalheiro, elogiou o sistema elétrico paulista e reconheceu o espírito pioneiro e patriótico dos que construíram e expandiram esse setor. Como engenheiro-eletricista nessa construção desde o início, agradeço. No entanto, também tive de conduzir, como secretário de Estado, seu processo de desestatização e cito aqui os fatos que não foram considerados.
O Estado investiu no setor elétrico para levar energia a áreas não atingidas pela iniciativa privada. Cumpriu esse papel nesses 50 anos, em todo o território paulista.
Em 1995, quando Mário Covas/Geraldo Alckmin assumiram o governo, a situação da Cesp (Companhia Energética de São Paulo) era clara -o grave endividamento faria desaparecer em pouco tempo todo o patrimônio e, então, sem dúvida, haveria pesado prejuízo a seu real proprietário, a população paulista.
A recuperação da empresa previa uma complexa engenharia financeira - reequacionamento com alongamento do perfil da dívida, saneamento e restauração da credibilidade, honrando pagamentos para o necessário lançamento de novos títulos. Além disso, era necessário investir para concluir obras inacabadas.
Entre elas, as usinas de Rosana, Taquaruçu, Três Irmãos, Canoas e, cito especificamente, Porto Primavera, obra iniciada em 1979 e que só entrou em operação em 1999, e não há 25 anos, como diz o citado artigo. Pergunto se temos noção, de fato, do encarecimento do custo de um empreendimento que passa 20 anos em processo de desaceleração das obras.
Obtivemos um acréscimo de 14% na geração do Estado, criamos procedimentos hoje copiados no mundo -como a repotenciação de máquinas- e modernizamos instalações, como a passagem de óleo combustível para gás na usina Piratininga. A soma dessa energia nova foi fundamental para termos o racionamento de energia, e não um apagão, em 2001. Mas foi preciso disponibilizar ativos.
Tudo, exatamente, para não jogar "na bacia das almas" o patrimônio paulista. O Estado de São Paulo recolheu, em valores da época (1997 a 1999), R$ 14 bilhões pela venda de estatais e repassou aos compradores R$ 9,5 bilhões em dívidas.
O articulista não soube, mas políticos se levantaram contra a venda da CTEEP, brandindo uma proposta sem equação real e factível para o salvamento da Cesp. Talvez não tenha tomado conhecimento, mas tentamos junto ao governo federal uma solução financeira para evitar a privatização da CTEEP. Recebemos um conselho: capitalizem a Cesp. E é o que estamos fazendo.
O fato é que a privatização da CTEEP, que obteve um ganho de 57,69% em seu preço estipulado, é uma das partes do processo de reestruturação da Cesp, composto das entradas de R$ 1,2 bilhão (CTEEP), R$ 2 bilhões (aporte do mercado acionário), R$ 2 bilhões (debêntures não conversíveis) e R$ 650 milhões (fundos de recebíveis).
Esse empenho levará a terceira geradora de energia do país a superar seu período crítico para ostentar, em três anos, saúde financeira.
O articulista erra o preço da CTEEP e induz a erro ao somar, inadequadamente, lucro da empresa com recuperação do investimento em dois anos pelo novo controlador -ora, vendemos um terço das ações e não a totalidade. Ademais, desfere alguns ataques indevidos.
Por exemplo, ataca o Estado por reajustes de tarifas, que são feitos por um órgão federal e acusa gravemente o governador Cláudio Lembo, que conhece os fatos de sua administração, sem desatino ou surpresas.
Por fim, faz uma insinuação que fere, de uma só penada, os que cumprem as leis, o Legislativo paulista e o Supremo Tribunal Federal. Segundo a lei nš 9.361/96 (art. 24, parágrafo 2), estatais de outros Estados não podem participar de processos de venda de estatais paulistas. Quando questionado pelo então governador de Minas Gerais Itamar Franco, o pedido foi indeferido pelo STF. O relator, ministro Nelson Jobim, considerou que "a regra paulista assenta-se na preservação da harmonia federativa".
Quanto à venda da CTEEP, no dia 28 de junho, haverá críticas ao fato de ter sido comprada por uma empresa sob o controle de um país latino-americano -uma estatal, portanto.
Mas será estranho se os que justificam atitudes também latino-americanas, como a que ocorreu contra a Petrobras, estatal brasileira, forem tomados agora por medos nacionalistas. Os críticos a priori estarão adotando uma postura política e não de defesa do setor de energia, da empresa e de seus empregados brasileiros, que são tão especialistas na área como a nova controladora da CTEEP.

MAURO ARCE é secretário de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento do Estado de São Paulo.


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