São Paulo, Domingo, 11 de Julho de 1999
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Santíssima Trindade

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Deus é testemunha de que nutro bons sentimentos em relação à sociedade humana -mas cada vez peço mais distância de qualquer juntamento que tenha mais de duas pessoas.
Inapetência ou incompetência para manter uma conversa, sei lá, o fato é que me embanano quando sou obrigado, por amizade ou ofício, a me reunir com meus semelhantes que geralmente acumulam a condição de meus dessemelhantes.
Outro dia, por conta da Cimeira, fui a um coquetel onde seria lançado o álbum com um texto meu sobre o Rio. Apesar das minhas mal traçadas linhas, o álbum é bonito, o texto não deu para estragá-lo.
É com pânico que enfrento o bom sujeito que pára à minha frente, me cumprimenta com intimidade e até mesmo com carinho, começa a falar de coisas que não lembro. Pior: nem sei nome e condição do amigo que me abraça, me dá informações que eu deveria julgar valiosas.
Sou um fisionomista deplorável. Até mesmo me estranho quando passo por um espelho inesperado e dou com minha própria cara. Preciso de algum esforço de memória e boa vontade para saber que aquilo sou eu mesmo.
Noite dessas, o simpático senhor me abordou como se fosse um amigo de infância. Deixei-me abraçar. Ele percebeu minha dificuldade em identificá-lo e me ajudou com o que podia: -""Sou o filho do Fulano!".
Minha situação piorou 100% porque dobrou. Não me lembrava nem do pai nem do filho, houvesse Espírito Santo na jogada talvez fosse uma pista, estaria diante da própria Santíssima Trindade.
Aprendi com o Paulo Coelho que devemos ler os sinais. Tomei aquilo como um sinal de que deveria ir embora. Como naquela canção do Chico Buarque, com a impressão de que estava indo tarde.


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