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Santíssima Trindade
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Deus é testemunha
de que nutro bons sentimentos em relação à sociedade humana -mas cada vez peço mais distância de qualquer juntamento que tenha mais de
duas pessoas.
Inapetência ou incompetência para
manter uma conversa, sei lá, o fato é
que me embanano quando sou obrigado, por amizade ou ofício, a me reunir com meus semelhantes que geralmente acumulam a condição de meus
dessemelhantes.
Outro dia, por conta da Cimeira, fui
a um coquetel onde seria lançado o álbum com um texto meu sobre o Rio.
Apesar das minhas mal traçadas linhas, o álbum é bonito, o texto não
deu para estragá-lo.
É com pânico que enfrento o bom sujeito que pára à minha frente, me
cumprimenta com intimidade e até
mesmo com carinho, começa a falar
de coisas que não lembro. Pior: nem
sei nome e condição do amigo que me
abraça, me dá informações que eu deveria julgar valiosas.
Sou um fisionomista deplorável. Até
mesmo me estranho quando passo por
um espelho inesperado e dou com minha própria cara. Preciso de algum esforço de memória e boa vontade para
saber que aquilo sou eu mesmo.
Noite dessas, o simpático senhor me
abordou como se fosse um amigo de
infância. Deixei-me abraçar. Ele percebeu minha dificuldade em identificá-lo e me ajudou com o que podia:
-""Sou o filho do Fulano!".
Minha situação piorou 100% porque
dobrou. Não me lembrava nem do pai
nem do filho, houvesse Espírito Santo
na jogada talvez fosse uma pista, estaria diante da própria Santíssima Trindade.
Aprendi com o Paulo Coelho que devemos ler os sinais. Tomei aquilo como um sinal de que deveria ir embora.
Como naquela canção do Chico Buarque, com a impressão de que estava
indo tarde.
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