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BORIS FAUSTO
1964 e o quadro atual
Diante do quadro atual, políticos
de várias tendências têm aludido
à conjuntura de 1964, que desembocou no regime militar. É significativo
que isso aconteça em um momento de
tensão. Um olhar comparativo a episódios do passado não constitui novidade. Durante os anos de regime democrático, entre 1945 e 1964, sobretudo nos períodos de crise, o deputado
Café Filho, que foi também vice-presidente da República, terminava seus
discursos com a frase: "Lembrai-vos
de 37!".
Parafraseando Café Filho, seria o caso de dizer hoje: lembrai-vos de 64?
Tudo indica que não se pensarmos na
reprodução pura e simples de um regime autoritário. Para marcar diferenças, lembremos a circunstância de que
o contexto internacional dos anos 60 e
dos dias atuais são inteiramente diversos. Naquela época, no âmbito da
Guerra Fria e da Revolução Cubana, o
governo dos Estados Unidos tratou de
evitar a todo custo novas revoluções
na América Latina, mesmo que para
tanto fosse necessário promover a implantação de ditaduras de direita, inoculando uma peculiar ideologia de segurança, ensinando métodos de tortura, financiando grupos de conspiradores etc.. Jango indiretamente e
Allende diretamente foram as vítimas
principais desse pragmatismo sem
princípios.
No plano interno, a manipulação da
democracia, em meio a uma crise que
se avolumava, não se restringia apenas à direita -como é tradicional na
história do Brasil-, mas a quase todos os atores políticos, dos populistas
aos comunistas. Democracia era apenas uma ferramenta útil em certos
momentos, inconveniente em outros,
a pretexto de se buscar um objetivo
social maior. Exemplo? A reforma
agrária na lei ou na marra.
Fator final decisivo foi a presença
das Forças Armadas no jogo político,
o que acabou resultando na implantação do regime autoritário quando a
ruptura da hierarquia institucional se
tornou flagrante. O respeito à lei cedeu
à desordem, e o majoritário centro
militar pendeu irremediavelmente
para a direita.
Nada disso ocorre hoje. Se o quadro
internacional é complicado, já não imperam as determinações da Guerra
Fria. Um consenso básico se formou
em amplos setores sociais, guardadas
as desvairadas exceções, no sentido de
que o regime democrático é um bem a
ser preservado, significando o respeito à soberania popular, ao sistema legal e à liberdade de expressão. As Forças Armadas enquadraram-se em sua
missão constitucional e não há sinais
de que dela venham a se desviar.
Todas essas diferenças indicam o
quanto avançamos nestes últimos 40
anos. Podemos então excluir o retrocesso? Pensado como repetição dos
cenários de 1937 ou de 1964, creio que
sim. Mas o país tem carências e problemas suficientes para que possamos
nos embalar em um quadro de manutenção do regime democrático imune
a ameaças.
Nem só pela via do golpe a democracia pode ser corroída. Há outro caminho, que passa pelo desrespeito às instituições, pela perda da legitimidade
governamental e pela multiplicação
de conflitos que, inerentes à democracia, não constituem, entretanto, seu
marco definidor. Quem garante que
estamos livres disso?
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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