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São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Vidraças e estrelas

RIO DE JANEIRO - Mais uma vez lamento não ter o Paulo Coelho à mão, aqui perto de mim, para consultá-lo a respeito de sinais. Ele é mestre em entender sinais, em interpretá-los, é fundamental para um sujeito que nem sabe interpretar os sinais de trânsito: estaciono o carro onde não posso e avanço sinais quando não há guarda olhando. Para mim, o Paulo é um oráculo.
O sinal que desejaria entender deve significar alguma coisa importante. É a mania que a turba tem, periodicamente, por isso ou por aquilo, de sair por aí quebrando vidraças. Mudam as causas, mas o gesto é o mesmo. Na "Noite dos Cristais", os nazistas quebraram as vidraças das lojas que pertenciam aos judeus -um sinal do que viria logo a seguir, com os campos de concentração e o extermínio.
Na Revolução Francesa, não havia muita vidraça a ser quebrada, mas quebraram a Bastilha, que era feita de pedra, e não de vidro, mas funcionava como uma vitrine da repressão de uma monarquia em coma.
Aqui, no Brasil, volta e meia se quebra uma vitrine comercial em nome de alguma causa circunstancial. Por vários motivos, havia vitrines preferenciais, como a da antiga Embaixada, hoje consulado, dos Estados Unidos aqui no Rio. Tropas em Santo Domingo, invasão de Granada, golpe na Guatemala, guerra na Coréia e no Vietnã -não faltavam motivos, e um carro desconhecido, na alta madrugada e em alta velocidade, passava por lá, atirava uma pedra e a vidraça se partia. O Tesouro Americano não chegou a falir, embora pagasse a conta dos vidraceiros que repunham uma nova vidraça.
Na semana passada, foram vidraças em Brasília, muitas e tentadoras, que foram quebradas. É evidente que a consciência moral e cívica de todos nós repudia aquilo que, em momentos tais, é chamado de "vandalismo".
Mas, segundo o Paulo Coelho, tudo é sinal neste mundo. Como as estrelas do Olavo Bilac, há que entendê-los.



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