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São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O ensino superior tem mais qualidade

PAULO RENATO SOUZA


Nosso sistema de ensino superior é hoje maior, melhor e mais competitivo que há oito anos

Na semana que passou, esta Folha abordou, numa extensa matéria (Cotidiano, pág. C1, 3/8) e num editorial ("Explosão universitária", pág. A2, 5/8), o importante tema da expansão do ensino superior em nosso país nos últimos anos. Como disse o editorial, "a ampliação das vagas é bem-vinda (...) A preocupação, como não poderia deixar de ser, é com a qualidade".
A preocupação é legítima. Seria natural pensar que uma expansão tão rápida tivesse ocorrido em detrimento da qualidade; que não houvesse professores qualificados em número suficiente; que as condições gerais do ensino tivessem se deteriorado em relação ao passado; que as novas instituições tivessem menos qualidade que as antigas.
Apesar do pouco tempo decorrido para avaliar mudanças significativas na qualidade, todos os indicadores disponíveis mostram justamente o contrário: o sistema de ensino superior tem, hoje, indicadores de qualidade superiores aos de 1995; e as novas instituições são mais bem avaliadas que as antigas. Posso, portanto, afirmar que nosso sistema de ensino superior é hoje maior, melhor e mais competitivo que há oito anos. Isso, claro, não significa que tenha boa qualidade em geral, ou que estejamos satisfeitos com o nível atual. Significa apenas que a qualidade melhorou.
Tomemos o caso da qualificação dos professores. Em face da grande expansão do ensino privado, o número de professores que atuam nesse segmento duplicou nos últimos oito anos. Em 1995, só 25% deles tinham título de mestrado ou doutorado; em 2002, praticamente a metade já tinha essa titulação.
Tomemos as condições gerais de ensino. Os relatórios das comissões de especialistas que visitam as instituições para avaliá-las mostram uma evolução bastante favorável ao longo do tempo. Nos casos dos centros universitários que já tiveram seu credenciamento renovado, os relatórios mostram uma evolução extremamente positiva em todos os quesitos, da infra-estrutura física aos laboratórios, passando pelas bibliotecas.
Tomemos a opinião dos alunos. A cada ano, por ocasião da realização do provão, eles respondem a um questionário avaliando vários aspectos de seus cursos, incluindo a preparação das aulas, a assiduidade dos professores, a qualidade das bibliotecas e laboratórios etc. De 1996 a 2002, a evolução dessas respostas é sensivelmente positiva em todos os cursos avaliados.
O argumento mais contundente, entretanto, é o da comparação nos resultados do Exame Nacional de Cursos entre as velhas e as novas instituições no âmbito do segmento privado de ensino. As instituições criadas a partir de 1995 têm, na média, um desempenho melhor que as antigas. Da mesma forma, o desempenho médio dos centros universitários é melhor do que o das antigas universidades privadas.
Isso não ocorreu por acaso. A melhoria da qualidade foi nossa preocupação ao longo dos oito anos em que tive a honra de dirigir o Ministério da Educação. Por isso criamos um sistema de avaliação extremamente complexo, que contempla tanto visitas de comissões de especialistas a cada instituição, como a opinião dos alunos e a realização do Exame Nacional de Cursos. Mais importante: tornamos todas as informações atualizadas e transparentes para a sociedade. Permitimos a expansão do sistema a fim de promover a competição sadia entre as instituições de ensino. Busca de qualidade e eficiência são, hoje, as forças que movem esse processo.
A situação que decidimos enfrentar em 1995 era dramática. O sistema era extremamente modesto para as dimensões e necessidades do país. O processo de credenciamento de novas instituições era burocrático e cartorial, o que gerava um sistema sem competição e de baixa qualidade, com reservas de mercado que significavam enormes lucros para os empresários da educação. Entre 1980 e 1994, a expansão do ensino superior tinha sido limitada: crescimento de apenas 20% das matrículas; redução de 3,5% no número de instituições de ensino superior; e 26% de crescimento no número de cursos, dos quais 70% em universidades que não dependiam de autorização prévia para abrir cursos.
Tal era o domínio dos dirigentes das poucas universidades existentes sobre o processo de criação de faculdades e cursos, que algumas vezes, nos anos 80, o próprio governo chegou a proibir, por meio de decreto, a criação de novos cursos superiores no país! Tudo, é claro, em nome da preocupação com a qualidade. Em nome dela se promovia a reserva de mercado, em vez de introduzir a avaliação e permitir a concorrência!
A matéria do dia 3 dá conta de um pensamento de alguns segmentos da nova administração que é altamente preocupante: a idéia de definir tecnocraticamente os cursos e as regiões onde eles poderiam ser abertos. Isso me faz lembrar os tristemente famosos "distritos geoeducacionais", que se transformaram no instrumento de reserva de mercado para poucos. Aquele sim era um "truque de prestidigitação para, enganando muitos, encher os bolsos de poucos", nos termos que expressam a preocupação do editorial desta prestigiosa Folha.


Paulo Renato Souza, 57, economista, é consultor. Foi Ministro da Educação (governo Fernando Henrique) e reitor da Unicamp (1986-1990).


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