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São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 2003

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Carta aberta ao presidente da República

PAULO PEREIRA DA SILVA


Ouse, sr. presidente. Determine o fim do contingenciamento de gastos e injete oxigênio na economia

Senhor presidente , permita-me dirigir a V. Excia. dessa maneira formal, sem o "companheiro presidente" que tanto lhe agrada. O momento é grave e temo que não esteja inteiramente a par disso. Desculpe-me se pareço desrespeitoso, mas que impressão se pode ter ao ouvir seus discursos otimistas sobre o que seu governo estaria fazendo -mas não faz?
Entendo que sete meses é pouco tempo para sua administração mostrar resultados, tendo em vista a herança deixada pela administração anterior. Temo, porém, que sua equipe econômica também esteja no caminho errado. Seu ministro da Fazenda é um homem sério, mas parece preso nas malhas de auxiliares mais ortodoxos do que os que, conduzidos por Pedro Malan, iludiam o presidente Fernando Henrique Cardoso, um sociólogo que, assim como V. Excia., entendia muito de sociedade e pessoas, mas pouco de economia.
V. Excia. escolheu-me para fazer parte de seu Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, esse grupo de pessoas que tenta assessorá-lo, discutindo a retomada do desenvolvimento, as reformas e novas políticas públicas. Nossas últimas reuniões, o ministro Tarso Genro já deve lhe ter dito, têm sido tensas. Como observou o empresário Eugênio Staub na última, seu governo conseguiu controlar a inflação e devolver a confiança aos chamados "mercados", mas a sociedade brasileira, sacrificada, está "ansiosa pelo que está por vir".
A economia estagnada, o desemprego crescente, a renda em queda, o setor produtivo, comércio e os serviços em crise, a violência, o crime, a tensão social no campo e nas cidades, tudo isso é o que me leva à sua presença, como presidente de uma central sindical que representa 16 milhões de trabalhadores.
É uma ilusão acreditar que o setor privado, descapitalizado ou sem perspectiva de vendas -porque o povo não compra-, vá investir, fazendo girar a roda da economia. Isso não vai acontecer pelas seguintes razões: o empresário está descapitalizado e não pode investir; o empresário está descapitalizado e poderia recorrer aos bancos, mas não o faz devido aos juros altos e à incerteza; o empresário está capitalizado, mas, certo de que não vale a pena investir na produção, aplica seus recursos no mercado financeiro. Como não existe milagre, só nos resta fazer um novo acordo com o FMI, que errou em suas previsões sobre a economia brasileira, e começar um novo, controlado e seguro programa de gastos públicos, um "New Deal", como se fez nos EUA no início do século 20.
Precisamos estancar esse processo suicida de geração de superávits primários gigantescos, de 4,25% do PIB. Um novo acordo pode baixar essa necessidade para 2,25% ou menos, sobrando no mínimo 2% do PIB para investir em infra-estrutura, saúde, habitação e educação, principalmente. Isso vai gerar empregos e renda. Com dinheiro no bolso, o povo vai consumir, o que levará o setor privado a investir também.
Sei que V. Excia. está aguardando o resultado de seus últimos atos -a obtenção de autorização dos gestores do Fundo de Amparo ao Trabalhador para injetar R$ 5,3 bilhões na economia, na forma de empréstimos a juros supostamente baixos, o Programa Primeiro Emprego, o esforço para aprovar as reformas no Congresso e o esforço para acalmar o MST. É pouco.
Tenho notícias de que, para acalmar as pressões, V. Excia. anunciará medidas que poderão deixar clara a prioridade dada por seu governo ao crescimento econômico e às ações sociais -apenas mais uma leve queda na taxa de juros, mais dinheiro para o microcrédito, mais medidas compensatórias para os miseráveis e a promessa de maior agilidade nas ações já anunciadas (e não implementadas).
Não adianta só diminuir o compulsório que os bancos recolhem sobre os depósitos à vista. Os tomadores só usarão esse dinheiro se os juros forem baixos, o prazo longo e se puderem vender o que produzirão. Como vender, se não há compradores? Não adianta oferecer terras da União e dos Estados para a reforma agrária, se seu governo não tem recursos para garantir a assistência técnica e o capital para o produtor rural investir. Precisamos de um novo modelo de reforma agrária; o que existe faliu.
Mais recursos para a habitação? Já existem e não são usados, por causa da burocracia e da falta de interessados. É preciso um novo programa habitacional, com novas regras. Programas sociais unificados? Ótimo, certamente haverá melhor gestão dos recursos. Mas cadê os recursos, que o ministro da Fazenda contingenciou? Nova política industrial? Ótimo, mas o problema da falta de confiança para investir persiste.
Perdoe este franco trabalhador, se estou sendo pessimista e pouco confiante, mas ou se muda a política macroeconômica, ou não se muda nada, porque o resultado será sempre mais expectativas que não se cumprem, mais tristeza, mais decepção.
Podemos, sr. presidente, unir-nos todos, em todos os fóruns de discussão e ação, para ajudá-lo a construir um novo Brasil. Para isso, vamos precisar de muita paciência, disposição para o diálogo e tempo. No entanto precisamos, já, de uma medida emergencial. Ouse, sr. presidente. Determine o fim do contingenciamento de gastos e injete oxigênio na economia. Saberemos, trabalhadores e empregadores, como conduzir o transatlântico brasileiro pelo mar revolto.
Se não for assim, temo que tenhamos à frente não uma tempestade apenas, mas o triste e trágico caos provocado pela incerteza e pelo pânico.


Paulo Pereira da Silva, 47, é presidente nacional da Força Sindical e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.


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