São Paulo, Sábado, 11 de Setembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Após o grito

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

No dia 7 de Setembro, fez-se ouvir o "Grito dos Excluídos" em todas as regiões do país. Para as comunidades cristãs, quais as lições que abrem caminhos de vida e esperança?
1) A primeira é o valor da própria organização das comunidades que vão descobrindo melhor, à luz da fé, o seu potencial de serviço e transformação da sociedade. Com efeito, o compromisso social nasce da compreensão da responsabilidade que cada pessoa humana tem para com os seus semelhantes e, mais ainda, para os discípulos de Cristo, da obrigação de promover a vida dos irmãos. O mandamento de Jesus, de amar como Ele ama, suscita e dinamiza formas concretas de solidariedade fraterna. O seguimento de Cristo leva-nos a buscar a vida plena e, portanto, a promoção integral da pessoa, desde o anúncio da fé e a educação até a solicitude para que a ninguém falte o pão, a moradia e o trabalho.
2) Torna-se mais claro, para o cristão, o dever de uma atuação política, lúcida, ordenada e construtiva. É o único modo de evitar soluções impulsivas que geram descontrole e recurso à violência. A democracia tem meios próprios para crescer e se consolidar. É indispensável a participação dos cidadãos na promoção do bem comum. Vai-se firmando o recurso à iniciativa popular que permite ao povo, que se articula, contribuir, com a própria assinatura, para a elaboração de leis urgentes ao bem-estar social.
3) Saldo positivo, ainda, da maior colaboração entre os membros das comunidades -unindo esforços com outros grupos, movimentos e associações comprometidos com a dignidade da pessoa- é, sem dúvida, o despontar de várias iniciativas em benefício dos mais pobres. Há um número enorme de ações que expressam e intensificam a consciência social e a busca de respostas às carências mais prementes: grupos de reflexão, formas de cooperativa no campo e na cidade, serviços voluntários a portadores de deficiência, a inválidos e formas de partilha e atendimento aos carentes. Esse é o melhor modo de reagir ao desânimo e de continuar se empenhando para as decisões que transformam a sociedade e corrigem a injusta distribuição de bens e oportunidades.
4) Entre os pontos candentes, lembrados pelo "Grito dos Excluídos", que requerem a pronta atuação das comunidades, é preciso insistir na demarcação das terras indígenas. Não se trata apenas de reparar as graves omissões e violências de cinco séculos, mas de entender que o desespero, por falta de horizonte e sobrevivência, está eliminando pelo suicídio os jovens índios.
Solicitemos ao Ministério da Justiça uma rápida decisão sobre casos antigos, como das populações guaranis, em Mato Grosso do Sul, cuja juventude vai desistindo de viver.
Ao mesmo tempo, é indispensável concentrar esforços para atender situações mais aflitivas. Não podemos adiar a rápida atuação para o assentamento dos sem-terra, reorganização do sistema carcerário, a implantação de métodos humanitários na reeducação dos jovens que cometem atos anti-sociais, o atendimento digno, pelo SUS, aos doentes e acidentados.
O "Grito" aconteceu. Ninguém pode fugir a essa luta pela vida. Não basta ouvir nem reforçar o clamor dos excluídos. Temos é que fazer o que está ao nosso alcance. É isso o que Deus espera de todos nós.


D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

Texto Anterior: Brissac - Carlos Heitor Cony: O esplendor da relva
Próximo Texto: Frases

Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.