São Paulo, Sábado, 11 de Setembro de 1999
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O esplendor da relva

CARLOS HEITOR CONY

Brissac - Ainda não é outono aqui em Brissac, no Vale do Loire, mas não é mais verão. Como a luz do fim do dia, que os franceses definem ""entre o cão e o lobo", o tempo é gostoso porque parece intemporal -taí um paradoxo, um tempo sem tempo, intemporal.
Sinto-me bem na França, de Paris para baixo. De Paris para cima me sinto às vezes na Bélgica -o que é outro país e outra coisa. Mas aqui no sul, além do sol que é mais generoso, as cores são mais vivas.
Os pintores impressionistas vieram para cá em busca dessa vitalidade da luz que produz efeitos surpreendentes na relva, na casca enrugada das árvores e até mesmo na mão das mulheres, que perdem a brutalidade da carne e ganham a maciez do mármore.
Falei acima no cão e no lobo. Parece que são primos na escala zoológica, da mesma forma que nós, os humanos, somos primos dos macacos. Em princípio, as diferenças deviam ser sutis, mas nem tanto. O cão é o vigia do dia, o lobo é o vilão da noite. Cada um no seu lugar, na sua hora e na sua missão.
Entre os homens e macacos a diferença é mais grosseira. Independentemente de dia, hora e função, nunca estamos certos se estamos diante de um homem ou de um macaco. Há alguns indícios que podem facilitar a identificação, mas são indícios. Tal como no caso dos escândalos públicos que nunca chegam a ser provados, os indícios não servem para formar um juízo de valor.
Daí a minha dúvida quando acordei pela segunda vez na cama de Luiz 13. Que que eu estava fazendo nela? Era um homem ou um macaco transplantado por coincidências e equívocos até aqui?
Bem, o sol estava -como disse- generoso. A relva dos gramados do marquês de Brissac estava mais verde, naquele esplendor que um poeta inglês definiu como a verdade única de uma vida nem sempre verdadeira.


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