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O esplendor da relva
CARLOS HEITOR CONY
Brissac - Ainda não é outono aqui
em Brissac, no Vale do Loire, mas não
é mais verão. Como a luz do fim do
dia, que os franceses definem ""entre o
cão e o lobo", o tempo é gostoso porque
parece intemporal -taí um paradoxo, um tempo sem tempo, intemporal.
Sinto-me bem na França, de Paris
para baixo. De Paris para cima me
sinto às vezes na Bélgica -o que é outro país e outra coisa. Mas aqui no sul,
além do sol que é mais generoso, as cores são mais vivas.
Os pintores impressionistas vieram
para cá em busca dessa vitalidade da
luz que produz efeitos surpreendentes
na relva, na casca enrugada das árvores e até mesmo na mão das mulheres,
que perdem a brutalidade da carne e
ganham a maciez do mármore.
Falei acima no cão e no lobo. Parece
que são primos na escala zoológica, da
mesma forma que nós, os humanos,
somos primos dos macacos. Em princípio, as diferenças deviam ser sutis,
mas nem tanto. O cão é o vigia do dia,
o lobo é o vilão da noite. Cada um no
seu lugar, na sua hora e na sua missão.
Entre os homens e macacos a diferença é mais grosseira. Independentemente de dia, hora e função, nunca estamos certos se estamos diante de um
homem ou de um macaco. Há alguns
indícios que podem facilitar a identificação, mas são indícios. Tal como no
caso dos escândalos públicos que nunca chegam a ser provados, os indícios
não servem para formar um juízo de
valor.
Daí a minha dúvida quando acordei
pela segunda vez na cama de Luiz 13.
Que que eu estava fazendo nela? Era
um homem ou um macaco transplantado por coincidências e equívocos até
aqui?
Bem, o sol estava -como disse- generoso. A relva dos gramados do marquês de Brissac estava mais verde, naquele esplendor que um poeta inglês
definiu como a verdade única de uma
vida nem sempre verdadeira.
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