São Paulo, Sábado, 11 de Setembro de 1999
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As coligações partidárias em eleições proporcionais devem ser proibidas?

NÃO
A restauração envergonhada

ROBERTO FREIRE

Nem sempre o chamado senso comum é o melhor critério para definir os caminhos de uma sociedade democrática. Deve ser considerado em qualquer análise que se queira séria e transformadora, porém dele tornar-se escravo é um erro que o homem público não tem o direito de cometer.
O senso comum -e a mídia, de modo geral, avaliza tal raciocínio- imagina ser necessário sanear e moralizar os partidos políticos e, por isso, acha que o fim das coligações concorreria para acabar, entre outras distorções, com as chamadas legendas de aluguel. Mas nessa questão estão equivocados não só o senso comum, mas também todos aqueles que acreditam nessa premissa. Ou seja, o fim das coligações não guarda nenhuma relação com a moralização da representação política.
A reforma idealizada pelo núcleo da burocracia partidária hegemônica no Congresso Nacional não tem como meta a modernização da vida partidária e da própria política. Almeja, tão-somente, a manutenção do poder, reafirmar cartórios dominantes, evitar que concepções e formações políticas novas se afirmem e, pior, no dizer de líderes do PFL e PSDB, tentar barrar o crescimento do PPS e de Ciro Gomes junto da opinião pública.
Em outras palavras, a pretensa reforma política e, dentro dela, o fim das coligações partidárias, em termos reais, sustentam-se em motivos menores e foram construídos a partir de casuísmos. Daí nascerem desqualificados.
E para que não pairem dúvidas: como nos preparamos para disputar as eleições em todos os níveis, o fim da coligação não atrapalha os planos de crescimento e consolidação do PPS. Se somos contra a medida, isso se deve a nossa concepção decididamente libertária e, portanto, contrária à intervenção do Estado na vida dos partidos políticos, que devem ser instituídos ou mortos apenas pela ação da cidadania, cuja expressão mais universal neste final de século ainda é o voto.
Para sermos realmente contemporâneos do século 21, precisamos de uma urgente e verdadeira reforma política, que possa dar maior credibilidade ao Executivo e ao Legislativo, duas instituições basilares da República. E fazem parte dessa agenda de discussão temas de fundamental importância, como o financiamento público das campanhas, a questão do sistema eleitoral (voto distrital ou proporcional), o princípio da proporcionalidade regional, o sistema de governo (presidencialismo e parlamentarismo), a democratização das candidaturas e o fim do monopólio exclusivo dos partidos sobre elas.
Tais matérias, entretanto, só entram como falácia na pauta dos reformistas do governo, a quem chamo de restauradores de institutos da ditadura. Afinal, dispositivos como prazo de filiação partidária, domicílio eleitoral e outras quinquilharias não fazem parte da tradição republicana. Foram pensados e adotados pelo regime militar que caiu, apesar de todos os casuísmos.
O fim das coligações, para ganhar alguma seriedade, também deveria ser estendido aos cargos majoritários. Ao mesmo tempo, não poderia vir acoplado à proposta de duplicação do número de candidatos por partido. A lógica é uma só: nada que atrapalhe os grandes cartórios partidários e tudo que possa significar aniquilamento de legendas que não se prepararam para enfrentar os novos tempos.
Ora, os partidos, no mundo contemporâneo, começam a perder importância, mesmo que ainda continuem sendo estratégicos em qualquer democracia. A política exige outras formas de representação, demandadas por uma sociedade que se organiza e autonomiza cada vez mais. Candidaturas de agrupamentos sociais, de movimentos temáticos e até avulsas começam a surgir em vários países mais desenvolvidos, e práticas de democracia direta se tornam viáveis em virtude, entre outros aspectos, da base técnica das sociedades modernas, já presente inclusive no Brasil. Infelizmente, essa realidade não é levada em consideração por um governo que se diz avançado, nem tampouco pela cúpula de sua base de sustentação no Congresso: ambos querem encerrar a cidadania nos cascos duros e envelhecidos dos partidos majoritários.
Os partidos devem ser livres para nascer, fundir-se, cindir-se, viver e morrer. Sem nenhum tipo de cerceamento.


Roberto Freire, 57, é senador pelo PPS de Pernambuco e presidente nacional do partido. Foi deputado federal pelo PPS-PE (1992-94) e líder do governo na Câmara dos Deputados (governo Itamar Franco).



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