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As coligações partidárias em eleições proporcionais devem ser proibidas?
NÃO
A restauração envergonhada
ROBERTO FREIRE
Nem sempre o chamado senso comum é o melhor critério para definir
os caminhos de uma sociedade democrática. Deve ser considerado em qualquer análise que se queira séria e transformadora, porém dele tornar-se escravo é um erro que o homem público
não tem o direito de cometer.
O senso comum -e a mídia, de modo geral, avaliza tal raciocínio- imagina ser necessário sanear e moralizar
os partidos políticos e, por isso, acha
que o fim das coligações concorreria
para acabar, entre outras distorções,
com as chamadas legendas de aluguel.
Mas nessa questão estão equivocados
não só o senso comum, mas também
todos aqueles que acreditam nessa
premissa. Ou seja, o fim das coligações
não guarda nenhuma relação com a
moralização da representação política.
A reforma idealizada pelo núcleo da
burocracia partidária hegemônica no
Congresso Nacional não tem como
meta a modernização da vida partidária e da própria política. Almeja, tão-somente, a manutenção do poder, reafirmar cartórios dominantes, evitar
que concepções e formações políticas
novas se afirmem e, pior, no dizer de líderes do PFL e PSDB, tentar barrar o
crescimento do PPS e de Ciro Gomes
junto da opinião pública.
Em outras palavras, a pretensa reforma política e, dentro dela, o fim das coligações partidárias, em termos reais,
sustentam-se em motivos menores e
foram construídos a partir de casuísmos. Daí nascerem desqualificados.
E para que não pairem dúvidas: como nos preparamos para disputar as
eleições em todos os níveis, o fim da
coligação não atrapalha os planos de
crescimento e consolidação do PPS. Se
somos contra a medida, isso se deve a
nossa concepção decididamente libertária e, portanto, contrária à intervenção do Estado na vida dos partidos políticos, que devem ser instituídos ou
mortos apenas pela ação da cidadania,
cuja expressão mais universal neste final de século ainda é o voto.
Para sermos realmente contemporâneos do século 21, precisamos de uma
urgente e verdadeira reforma política,
que possa dar maior credibilidade ao
Executivo e ao Legislativo, duas instituições basilares da República. E fazem
parte dessa agenda de discussão temas
de fundamental importância, como o
financiamento público das campanhas, a questão do sistema eleitoral
(voto distrital ou proporcional), o
princípio da proporcionalidade regional, o sistema de governo (presidencialismo e parlamentarismo), a democratização das candidaturas e o fim do
monopólio exclusivo dos partidos sobre elas.
Tais matérias, entretanto, só entram
como falácia na pauta dos reformistas
do governo, a quem chamo de restauradores de institutos da ditadura. Afinal, dispositivos como prazo de filiação partidária, domicílio eleitoral e outras quinquilharias não fazem parte da
tradição republicana. Foram pensados
e adotados pelo regime militar que
caiu, apesar de todos os casuísmos.
O fim das coligações, para ganhar alguma seriedade, também deveria ser
estendido aos cargos majoritários. Ao
mesmo tempo, não poderia vir acoplado à proposta de duplicação do número de candidatos por partido. A lógica
é uma só: nada que atrapalhe os grandes cartórios partidários e tudo que
possa significar aniquilamento de legendas que não se prepararam para
enfrentar os novos tempos.
Ora, os partidos, no mundo contemporâneo, começam a perder importância, mesmo que ainda continuem
sendo estratégicos em qualquer democracia. A política exige outras formas
de representação, demandadas por
uma sociedade que se organiza e autonomiza cada vez mais. Candidaturas
de agrupamentos sociais, de movimentos temáticos e até avulsas começam a surgir em vários países mais desenvolvidos, e práticas de democracia
direta se tornam viáveis em virtude,
entre outros aspectos, da base técnica
das sociedades modernas, já presente
inclusive no Brasil. Infelizmente, essa
realidade não é levada em consideração por um governo que se diz avançado, nem tampouco pela cúpula de sua
base de sustentação no Congresso:
ambos querem encerrar a cidadania
nos cascos duros e envelhecidos dos
partidos majoritários.
Os partidos devem ser livres para
nascer, fundir-se, cindir-se, viver e
morrer. Sem nenhum tipo de cerceamento.
Roberto Freire, 57, é senador pelo PPS de Pernambuco e presidente nacional do partido. Foi deputado federal pelo PPS-PE (1992-94) e líder do governo na Câmara dos Deputados (governo Itamar Franco).
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