São Paulo, Sábado, 11 de Setembro de 1999
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As coligações partidárias em eleições proporcionais devem ser proibidas?

SIM
Pelo fim do namoro de Carnaval

SÉRGIO MACHADO

A sociedade brasileira vem clamando por reformas políticas que permitam o aperfeiçoamento da democracia representativa ampliada pela Constituição de 1988.
A proliferação de partidos políticos inexpressivos, em termos de votação, torna caótico o processo eleitoral, confundindo o eleitor, que tende a desprezar o partido, limitando sua escolha ao nome do candidato.
Daí o surgimento das "legendas de aluguel", da vulnerabilidade das estruturas partidárias, da supremacia das posições personalistas sobre as posições ideológicas.
Essa cultura gera impotência organizacional e dificuldades para operacionalizar o modelo atual. As eleições teoricamente teriam a função de organizar as correntes ideológicas e os grupos representativos da vontade popular. Porém essa organização costuma durar no máximo alguns meses, após os quais as conveniências pessoais e de momento levam à fragmentação dos grupos.
Tal situação é fonte de permanente instabilidade institucional, pois a fragilidade partidária contradiz a formulação de projetos políticos nacionais de longo prazo que caracterizam as nações institucionalmente maduras, sujeitando o governo a frequentes crises em razão da dificuldade de manter uma base de apoio estável.
É preciso que o sistema partidário proporcione a visibilidade de correntes políticas definidas e bem distintas entre si, por meio da concentração das principais manifestações ideológicas do eleitorado em um espectro de legendas partidárias sociologicamente coerente e representativo, evitando, assim, o aumento do número de siglas que só tendem a confundir o eleitor.
Ademais, é mister que se estabeleça um compromisso inarredável entre o candidato e os princípios programáticos do partido pelo qual se elege, vedando a migração indiscriminada. A troca de partido, uma prática comum e totalmente condenável na política brasileira, constitui uma traição à escolha do eleitor e um desrespeito ético à agremiação.
Entendo que as coligações para as eleições proporcionais (deputados federais, estaduais e vereadores) contribuem para o desvirtuamento da idéia subjacente à representação política, pois essas alianças partidárias são de conveniência meramente eleitoral, fazendo com que, às vezes, se mantenham em atividade obscuras siglas sem conteúdo doutrinário. A coligação entre partidos é como namoro de Carnaval. Encerradas as eleições, como na Quarta-Feira de Cinzas, cada um vai para um lado.
E mais: as coligações configuram uma verdadeira aberração da representação política. Distorcem a vontade do eleitor e estimulam o recrutamento de candidatos sem convicção e sem militância partidária. No sistema proporcional que hoje vigora no Brasil, quase sempre se vota num candidato e se elege outro, por causa da sobra de votos. Com o fim das coligações proporcionais, pelo menos ambos pertenceriam ao mesmo partido, e o eleitor saberia que seu voto iria, no máximo, para uma pessoa do mesmo partido do candidato que escolheu.
Um fato que comprova a falta de legitimidade do atual sistema político é o resultado das eleições de 1998. Dos 513 deputados federais hoje com assento à Câmara dos Deputados, apenas 28 foram eleitos com votos próprios. Todos os demais, portanto, "chegaram de carona" ao mandato, o que, em parte, se deve ao instituto da coligação.
A proposta de nossa autoria proibindo as coligações proporcionais mereceu o apoio do Senado Federal e já se encontra na Câmara dos Deputados. O fim dessas coligações é apenas um item da reforma política em tramitação no Congresso Nacional, que trata também de outros pontos fundamentais, como a adoção do financiamento público de campanha, da fidelidade partidária, do voto facultativo, do voto distrital misto e outros. Essa reforma é necessária e urgente para tornar os partidos mais fortes e representativos, eliminando da legislação regras obsoletas que dificultam uma estabilidade política permanente.


Sérgio Machado, 52, senador pelo PSDB do Ceará e líder do partido no Senado, é autor do projeto que proíbe as coligações nas eleições proporcionais. Foi relator da Comissão Especial da Reforma Política do Senado.



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