São Paulo, quarta-feira, 11 de outubro de 2000

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ROLETA-RUSSA QUÍMICA

Num mundo ideal, o que pressupõe que todos os seus habitantes sejam seres perfeitamente racionais e que tenham acesso à informação, controles sobre a venda de medicamentos seriam ociosos, um custo desnecessário. Nesse mundo, ninguém jamais tomaria uma droga de que não precisasse e, necessitando de um remédio qualquer, cuidaria para ter certeza de escolher o fármaco mais indicado para o seu caso, precavendo-se, ademais, contra as interações medicamentosas.
Desnecessário dizer que esse mundo não existe. Pode constituir-se, é claro, numa meta a ser atingida. E alguns países desenvolvidos que oferecem atendimento médico de qualidade a toda a população já estão levantando seus controles burocráticos sobre as drogarias.
O Brasil, contudo, vive uma situação quase oposta à do mundo ideal. O sistema público de saúde é péssimo, o que leva as pessoas a se medicarem com base em palpites não-desinteressados de balconistas ou de amigos e de vizinhos. Ora, ingerir determinadas drogas sem cuidadosa anamnese e orientação é a versão química da roleta-russa.
O caso mais recente é o da cisaprida, droga para promover o esvaziamento gastrointestinal. O problema é que se descobriu que ela pode provocar, ainda que raramente, arritmias cardíacas fatais na interação com outros remédios de uso comum, notadamente alguns antibióticos e antimicóticos.
Para agravar ainda mais a situação brasileira, os controles burocráticos são frágeis e "pro forma". Os EUA divulgaram vários alertas sobre a cisaprida, o mais contundente deles no final de 99. A Vigilância Sanitária brasileira só determinou em julho de 2000 a retenção da receita médica na venda da droga, exigência que nem sempre é observada pelas farmácias, principalmente as menores.
De resto, os próprios médicos normalmente estão desinformados acerca dos alertas sanitários, e as farmacopéias nacionais, feitas a soldo dos laboratórios, costumam esconder informações desabonadoras.


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