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ROLETA-RUSSA QUÍMICA
Num mundo ideal, o que pressupõe que todos os seus habitantes sejam seres perfeitamente racionais e que tenham acesso à informação, controles sobre a venda de
medicamentos seriam ociosos, um
custo desnecessário. Nesse mundo,
ninguém jamais tomaria uma droga
de que não precisasse e, necessitando de um remédio qualquer, cuidaria
para ter certeza de escolher o fármaco mais indicado para o seu caso,
precavendo-se, ademais, contra as
interações medicamentosas.
Desnecessário dizer que esse mundo não existe. Pode constituir-se, é
claro, numa meta a ser atingida. E alguns países desenvolvidos que oferecem atendimento médico de qualidade a toda a população já estão levantando seus controles burocráticos sobre as drogarias.
O Brasil, contudo, vive uma situação quase oposta à do mundo ideal.
O sistema público de saúde é péssimo, o que leva as pessoas a se medicarem com base em palpites não-desinteressados de balconistas ou de
amigos e de vizinhos. Ora, ingerir
determinadas drogas sem cuidadosa
anamnese e orientação é a versão
química da roleta-russa.
O caso mais recente é o da cisaprida, droga para promover o esvaziamento gastrointestinal. O problema
é que se descobriu que ela pode provocar, ainda que raramente, arritmias cardíacas fatais na interação
com outros remédios de uso comum, notadamente alguns antibióticos e antimicóticos.
Para agravar ainda mais a situação
brasileira, os controles burocráticos
são frágeis e "pro forma". Os EUA
divulgaram vários alertas sobre a cisaprida, o mais contundente deles
no final de 99. A Vigilância Sanitária
brasileira só determinou em julho de
2000 a retenção da receita médica na
venda da droga, exigência que nem
sempre é observada pelas farmácias,
principalmente as menores.
De resto, os próprios médicos normalmente estão desinformados
acerca dos alertas sanitários, e as farmacopéias nacionais, feitas a soldo
dos laboratórios, costumam esconder informações desabonadoras.
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