São Paulo, segunda-feira, 11 de novembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A Alca depois de Quito

SERGIO AMARAL


Teremos as condiçõesde pôr o pé no freiodo trem caso os ganhos não sejam compatíveis com as concessões

A Alca é um trem que já partiu. A locomotiva são os Estados Unidos. Pode-se discutir a ordem dos vagões, os que viajam em primeira ou em segunda classe e os vagões que não seguirão até o fim. Mas o trem já está a caminho e a estação final será a integração hemisférica.
Esse era o sentimento dominante ao final da reunião de ministros da Alca, realizada em Quito, na semana retrasada. O encontro definiu o calendário e a agenda das negociações para o próximo ano. Criou os grupos temáticos e nomeou os respectivos presidentes. Reafirmou os pressupostos dos trabalhos, especialmente a relevância da agricultura e o equilíbrio dos resultados. O Brasil e os Estados Unidos assumiram a co-presidência das negociações.
Esses avanços não querem dizer que o caminho será fácil. Ao contrário, será difícil. Subsistem incertezas, como o desfecho da negociação agrícola, condicionada à conclusão das negociações da OMC, que, por sua vez, dependem da reforma da Política Agrícola Comum (PAC) da União Européia. Incertezas também associadas às possíveis ingerências do Congresso norte-americano na negociação de produtos sensíveis, que poderão evidenciar as dificuldades dos próprios Estados Unidos em concluir um acordo.
Para nós, os riscos da negociação são basicamente dois. Primeiro, a eventualidade de desequilíbrio nos resultados, em face de um cronograma que prevê o início da negociação substantiva, em julho próximo, sobre acesso a mercados e novos temas, mas deixa para depois uma parte dos temas agrícolas e de defesa comercial, as questões que mais nos interessam. O segundo risco está na possibilidade do chamado "fatiamento da negociação": primeiro o Chile, depois os centro-americanos e caribenhos, em seguida o Grupo Andino, deixando assim o Mercosul isolado e para o final.
Se examinarmos esses riscos mais detidamente, porém, veremos que há condições para enfrentá-los e superá-los. Se é verdade que a negociação dos subsídios internos à agricultura está condicionada aos avanços na OMC, também é verdade que as negociações relativas ao acesso para produtos agrícolas pode começar desde já, e grande parte dos nossos problemas está justamente em acesso, ou seja, tarifas, escaladas e picos tarifários, quotas e barreiras não-tarifárias.
De qualquer forma, por insistência da delegação brasileira, as co-presidências deverão supervisionar os trabalhos de todos os grupos e zelar por um avanço equilibrado das negociações. Assim, teremos as condições de pôr o pé no freio do trem caso, em nossa avaliação, os ganhos não sejam compatíveis com as concessões.
Claramente, não nos convém ficar isolados para o fim da negociação. Por isso mesmo já negociamos preferências comerciais com o Chile e com o México, esperamos concluir o acordo Mercosul- Grupo Andino até o fim do ano e já convidamos à mesa de negociação caribenhos e centro-americanos, de modo a garantir o acesso a nossos próprios vizinhos.
É preciso olhar também para o que está acontecendo no mundo. Ao decidir, há três semanas, pelo adiamento da reforma da PAC para depois de 2007 e, mais ainda, por um aumento dos subsídios agrícolas, para atender ao alargamento em direção aos países do Leste, a União Européia deixou clara a sua opção pela integração regional, em detrimento da OMC. Poucos dias depois, os países do Sudeste Asiático, reunidos em Phnom Penh, decidiram concluir um acordo de livre comércio com a China, do qual poderão participar o Japão e a Coréia. Em poucas palavras, o regionalismo parece prevalecer sobre o multilateralismo da OMC.
Poderá ser difícil estar dentro da Alca. Mas será igualmente difícil estar fora, pois nessa hipótese estaremos fora de cada um dos três grandes blocos econômicos em formação.
O caminho mais sensato parece ser o de continuarmos a aumentar a competitividade de nossos produtos e assumir a liderança da negociação da Alca, da qual já somos co-presidentes. Prepararmo-nos adequadamente para negociar, com firmeza e mesmo intransigência.
Se o resultado atender aos nossos interesses, poderemos participar. Se não, nada nos obriga a subscrever um acordo insatisfatório, mesmo porque já estamos tecendo uma malha de interesses comerciais, de parcerias empresariais e de investimentos com nossos vizinhos, ao mesmo tempo em que intensificamos o intercâmbio com parceiros novos e de grande potencial, como China, Índia e Rússia.
Seguiremos no comboio se e até onde nos convier.


Sergio Amaral, 58, diplomata, é ministro do Desenvolvimento. Foi porta-voz da Presidência da República (1994-99) e embaixador do Brasil em Londres (1999-2001).


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