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São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 2003

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

O futuro da política exterior

Três forças moldam a política exterior brasileira. A primeira é a tentativa de abrir mercados para nossos produtos, impulsionada pela fragilidade de nossas contas externas. A segunda é o desejo, indefinido nos objetivos e frustrado na realização, de projetar o Brasil no mundo. A terceira é a mentalidade dos diplomatas brasileiros. Desiludidos e céticos, procuram manobrar as duas outras forças -negociação comercial e afirmação nacional- para que cada uma dê brilho à outra.
Logo mais veremos novos exemplos das virtudes e dos defeitos dessa maneira de atuar. A reação contra a Alca será usada para obter termos pouco mais vantajosos dentro de negociação de âmbito menor. As homenagens ao Mercosul e à união sul-americana acabarão em esforço para impedir ou para adiar rendição incondicional de nossos vizinhos aos Estados Unidos. E a dedicação a alianças sul-sul, fragilizada por divergências entre os aliados sobre pontos capitais como o dos subsídios agrícolas, terá como resíduo apressar a ampliação dos debates na OMC. Muito barulho político será trocado por pouca vantagem comercial. Devemos dar-nos por satisfeitos?
Alternativa mais ambiciosa depende de duas condições: projeto interno forte e política externa que não se reduza à justaposição de mercantilismo pontual com nacionalismo vago.
Não há política exterior que supra a falta de modelo consistente de desenvolvimento. Pode abrir espaço. Não pode preenchê-lo. Perigoso é usar política exterior como compensação retórica para a prostração colonial de uma política econômica que não se quer abandonar.
A uma estratégia nacional de desenvolvimento se há de somar uma concepção de política externa que não se cinja a negociações comerciais. O ponto em que nossos interesses se encontram hoje com as preocupações da humanidade é a construção de ordem mundial mais aberta a pluralismo de poder e de visão. Daí a necessidade de fundar alianças com os outros países continentais em desenvolvimento sobre a base de projeto de reconstrução da ordem econômica internacional: substituir a maximização do livre comércio pela reconciliação entre trajetórias nacionais de desenvolvimento como objetivo do regime de comércio; defender as práticas de coordenação estratégica entre poder público e iniciativa privada que continuam indispensáveis ao avanço econômico; substituir o sistema pelo qual o capital ganha foros para correr mundo enquanto o trabalho fica encarcerado dentro do Estado-nação; impedir que organizações multilaterais como o FMI sirvam para impor dogmas contestados e interesses estreitos. Daí também a importância de trabalhar com as potências médias e com os internacionalistas dentro do Estados Unidos para conter a hegemonia americana, co-garantindo os interesses vitais de segurança dos Estados Unidos, mas impondo àquele país preço crescente pela interpretação unilateral daqueles interesses.
Dos grandes países em desenvolvimento, o Brasil é hoje o que goza de maior margem de manobra. Não saberá aproveitá-la se não casar uma idéia de seu próprio futuro com a antevisão de um mundo transformado.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger


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