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São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Doação e ação

RIO DE JANEIRO - O Estado é um funcionário da sociedade, pago pelos cidadãos. A soma dos impostos, federais, estaduais e municipais, equivale em alguns casos a cinco ou seis meses de trabalho. Esse montão de dinheiro deveria ser administrado correta e honestamente, de forma contínua e racional.
O governo francês, impressionado com a morte de idosos no último verão europeu, pediu a todos os seus empregados que dessem um dia de trabalho gratuito para a formação de um fundo destinado a melhorar a vida dos velhinhos.
Aqui, no Brasil, tenta-se transferir o combate à fome para a sociedade, apelando para o assistencialismo medieval dos montepios, da caridade cristã ou da solidariedade humanista.
O espetáculo da semana passada, quando idosos tiveram de sair de suas casas, de seus leitos e cadeiras de rodas para se recadastrarem nos tortuosos guichês do INSS, é um exemplo da distorção do Estado.
Ele é mantido pelo dinheiro que todos pagamos para dispormos de uma estrutura viável de serviços básicos, como a saúde, a educação, a segurança, a assistência social. Bem administrado, o produto da gigantesca arrecadação poderia custear decentemente as necessidades públicas. Grande parte desse dinheiro some pelo ralo dos juros que pagamos aos investimentos especulativos, dívidas mal assumidas, elevadas taxas de corrupção e desperdício.
E o combate à fome, prioridade elementar de qualquer sociedade, delegada ao Estado, volta para a própria sociedade, travestida de madre Teresa de Calcutá tamanho família, de colossal irmã Paula dando um prato de sopa aos famintos.
Respeitamos pessoas como Frei Betto e Oded Grajew, que estão mergulhados até os cotovelos no Fome Zero. Não fazem parte do oportunismo que criou o programa. A luta deles é antiga na sinceridade e no esforço de melhorar a sociedade. Mas não é por aí que o governo irá acabar com o problema.


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