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ANTONIO DELFIM NETTO
O imbróglio orçamentário
Uma das piores práticas da administração financeira do país é
o estabelecimento de "receitas vinculadas", que estabelecem ligação direta
entre fontes e dispêndios. Elas haviam
sido completamente eliminadas em
1984 e foram restabelecidas pela Constituição de 1988. Desde então, não têm
deixado de crescer. O caso mais recente foi a criação da Contribuição para a
Intervenção no Domínio Econômico
(Cide), destinada a financiar a infra-estrutura de transportes.
Por que o Congresso aceita uma prática tão contrária à eficiência da administração e por que o Executivo não
reage, mostrando os seus inconvenientes? O Congresso a aceita na ingênua ilusão de que pode obrigar o Executivo a cumprir rigorosamente a
prioridade fixada pela vinculação. A
prática não se cansa de demonstrar,
entretanto, que não passa de um equívoco. A execução do Orçamento não é
mandatória ou impositiva: depende
da vontade do Executivo. Ele pode
cumprir formalmente a vinculação,
deixando o "não-aplicado" na caixa
única do Tesouro. Paradoxalmente,
cria-se um novo tributo ou amplia-se
um antigo para atender a um programa social, e uma parte dos "novos" recursos vai descansar na caixa única,
ampliando o superávit primário para
pagar juros! Torna-se, assim, mais fácil a vida do governo, que não precisa
insistir no aumento de impostos. É
por isso que o Executivo não se opõe
às vinculações. A falta de atenção do
Congresso para com uma de suas funções essenciais (a fiscalização da execução orçamentária) é completa,
principalmente para com os chamados "programas sociais" de que tanto
se orgulha o governo FHC.
Os dados fornecidos pelo Siafi sobre
os dispêndios efetivos dos múltiplos
programas sociais (Bolsa-Alimentação, Bolsa-Escola, Fundo de Combate
à Pobreza, Pronager etc.) a que se referiu o competente jornalista Ribamar
Oliveira ("Valor", 25/11) mostram a
urgência de proceder a uma profunda
reforma no processo de elaboração do
Orçamento, eliminando todas as vinculações e tornando a execução orçamentária obrigatória. Com isso seria
possível fixar a cada ano as prioridades através da Lei de Diretrizes Orçamentárias (até mesmo do superávit
primário necessário para estabilizar a
relação dívida líquida/PIB) e reduzir o
ignóbil poder de controle que o Executivo exerce sobre o Legislativo pelo
condicionamento de liberação das
emendas parlamentares.
Talvez seja este o momento para o
resgate do antigo projeto de reorganização do processo orçamentário preparado com cuidado pela Câmara dos
Deputados e que encontrou a sua
morte nos escaninhos da Comissão de
Justiça por obra e arte do governo.
Trata-se de dar ao Congresso os instrumentos técnicos para a preparação
de uma espécie de CBO (Congressional Budget Office), que lhe devolverá
suas funções primordiais: 1ª) preparar
(em conjunto com o Executivo) e
aprovar o Orçamento e 2ª) fiscalizar a
sua execução. A grande tarefa tinha sido iniciada por inspiração do ilustre e
saudoso presidente da Câmara Luís
Eduardo Magalhães. Infelizmente, ela
foi interrompida por seu prematuro
desaparecimento.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
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