São Paulo, quarta-feira, 11 de dezembro de 2002

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ANTONIO DELFIM NETTO

O imbróglio orçamentário

Uma das piores práticas da administração financeira do país é o estabelecimento de "receitas vinculadas", que estabelecem ligação direta entre fontes e dispêndios. Elas haviam sido completamente eliminadas em 1984 e foram restabelecidas pela Constituição de 1988. Desde então, não têm deixado de crescer. O caso mais recente foi a criação da Contribuição para a Intervenção no Domínio Econômico (Cide), destinada a financiar a infra-estrutura de transportes.
Por que o Congresso aceita uma prática tão contrária à eficiência da administração e por que o Executivo não reage, mostrando os seus inconvenientes? O Congresso a aceita na ingênua ilusão de que pode obrigar o Executivo a cumprir rigorosamente a prioridade fixada pela vinculação. A prática não se cansa de demonstrar, entretanto, que não passa de um equívoco. A execução do Orçamento não é mandatória ou impositiva: depende da vontade do Executivo. Ele pode cumprir formalmente a vinculação, deixando o "não-aplicado" na caixa única do Tesouro. Paradoxalmente, cria-se um novo tributo ou amplia-se um antigo para atender a um programa social, e uma parte dos "novos" recursos vai descansar na caixa única, ampliando o superávit primário para pagar juros! Torna-se, assim, mais fácil a vida do governo, que não precisa insistir no aumento de impostos. É por isso que o Executivo não se opõe às vinculações. A falta de atenção do Congresso para com uma de suas funções essenciais (a fiscalização da execução orçamentária) é completa, principalmente para com os chamados "programas sociais" de que tanto se orgulha o governo FHC.
Os dados fornecidos pelo Siafi sobre os dispêndios efetivos dos múltiplos programas sociais (Bolsa-Alimentação, Bolsa-Escola, Fundo de Combate à Pobreza, Pronager etc.) a que se referiu o competente jornalista Ribamar Oliveira ("Valor", 25/11) mostram a urgência de proceder a uma profunda reforma no processo de elaboração do Orçamento, eliminando todas as vinculações e tornando a execução orçamentária obrigatória. Com isso seria possível fixar a cada ano as prioridades através da Lei de Diretrizes Orçamentárias (até mesmo do superávit primário necessário para estabilizar a relação dívida líquida/PIB) e reduzir o ignóbil poder de controle que o Executivo exerce sobre o Legislativo pelo condicionamento de liberação das emendas parlamentares.
Talvez seja este o momento para o resgate do antigo projeto de reorganização do processo orçamentário preparado com cuidado pela Câmara dos Deputados e que encontrou a sua morte nos escaninhos da Comissão de Justiça por obra e arte do governo. Trata-se de dar ao Congresso os instrumentos técnicos para a preparação de uma espécie de CBO (Congressional Budget Office), que lhe devolverá suas funções primordiais: 1ª) preparar (em conjunto com o Executivo) e aprovar o Orçamento e 2ª) fiscalizar a sua execução. A grande tarefa tinha sido iniciada por inspiração do ilustre e saudoso presidente da Câmara Luís Eduardo Magalhães. Infelizmente, ela foi interrompida por seu prematuro desaparecimento.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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