São Paulo, quarta-feira, 11 de dezembro de 2002

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GABRIELA WOLTHERS

Próximo lançamento: o fosso

RIO DE JANEIRO - Recém-chegada de uma viagem à região de Castela-León, na Espanha, famosa por suas cidades e castelos fortificados, tive por várias vezes o mesmo pensamento. Se o passeio pela Idade Média tem um toque de romantismo, é inevitável imaginar como era claustrofóbica a vida da maioria daquelas pessoas.
Vivia-se e morria-se num espaço predeterminado à espera do inimigo. Passeando pelo alto de muralhas, dá para imaginar a população enclausurada durante sítios intermináveis, vendo os campos tomados por soldados, só restando esperar por reforços ou por uma intervenção divina.
Séculos se passaram, formaram-se os países, criou-se o Mercado Comum Europeu e, a menos que se seja um imigrante procurando trabalho, pode-se perambular por praticamente todo o continente sem mostrar um documento de identidade.
Já do lado de cá do Atlântico parece que decidiram repetir a história como farsa. Enquanto a Europa tinha suas cidades-fortalezas, os índios brasileiros viviam leves e soltos. Séculos também se passaram por aqui e, hoje, a maioria das pessoas vive encastelada em suas casas.
Qual a diferença de concepção de vida entre uma cidade cercada por muralhas durante a Idade Média e um condomínio fechado na Barra da Tijuca, no Rio, ou em Alphaville, em São Paulo? Entre as torres das fortificações de ontem e as guaritas dos prédios de hoje? Entre as armaduras dos cavaleiros e os carros blindados?
O historiador John Keegan, especialista em história militar, afirma no livro "Uma História da Guerra" que as fortalezas são produtos de Estados fragmentados e proliferam "quando uma autoridade central ainda não se estabeleceu, está lutando para se firmar ou foi derrubada".
Como se vê, a lição é antiga. Ou o poder público decide estabelecer-se de fato no Brasil, ou os próximos empreendimentos imobiliários já podem vir com o último componente que está faltando para a comparação perfeita com a Idade Média: o fosso.


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