|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GABRIELA WOLTHERS
Próximo lançamento: o fosso
RIO DE JANEIRO -
Recém-chegada de uma viagem à região de Castela-León, na Espanha, famosa por suas cidades e castelos fortificados, tive
por várias vezes o mesmo pensamento. Se o passeio pela Idade Média tem
um toque de romantismo, é inevitável imaginar como era claustrofóbica
a vida da maioria daquelas pessoas.
Vivia-se e morria-se num espaço
predeterminado à espera do inimigo.
Passeando pelo alto de muralhas, dá
para imaginar a população enclausurada durante sítios intermináveis,
vendo os campos tomados por soldados, só restando esperar por reforços
ou por uma intervenção divina.
Séculos se passaram, formaram-se
os países, criou-se o Mercado Comum
Europeu e, a menos que se seja um
imigrante procurando trabalho, pode-se perambular por praticamente
todo o continente sem mostrar um
documento de identidade.
Já do lado de cá do Atlântico parece
que decidiram repetir a história como farsa. Enquanto a Europa tinha
suas cidades-fortalezas, os índios
brasileiros viviam leves e soltos. Séculos também se passaram por aqui e,
hoje, a maioria das pessoas vive encastelada em suas casas.
Qual a diferença de concepção de
vida entre uma cidade cercada por
muralhas durante a Idade Média e
um condomínio fechado na Barra da
Tijuca, no Rio, ou em Alphaville, em
São Paulo? Entre as torres das fortificações de ontem e as guaritas dos
prédios de hoje? Entre as armaduras
dos cavaleiros e os carros blindados?
O historiador John Keegan, especialista em história militar, afirma no livro "Uma História da Guerra" que as
fortalezas são produtos de Estados
fragmentados e proliferam "quando
uma autoridade central ainda não se
estabeleceu, está lutando para se firmar ou foi derrubada".
Como se vê, a lição é antiga. Ou o
poder público decide estabelecer-se
de fato no Brasil, ou os próximos empreendimentos imobiliários já podem vir com o último componente
que está faltando para a comparação
perfeita com a Idade Média: o fosso.
Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: Lula e Ciro Próximo Texto: Antônio Delfim Netto: O imbróglio orçamentário Índice
|