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TENDÊNCIAS/DEBATES
Nada disseram aos chineses...
OZIRES SILVA
A Folha , em sua edição de 4 de dezembro último, publica dois textos
em sua Primeira Página:
"Dobra o lucro dos bancos estrangeiros no Brasil". "54 milhões de brasileiros vivem com até R$ 100".
Que pena -dirão muitos. Por quê?
-dirão outros. E alguns poderão comentar: O que fazer para corrigir?
Quando se constata o consistente
crescimento da China, que na sucessão
dos últimos anos registra expressivas
taxas de desenvolvimento econômico,
certamente cabe uma observação: tudo
indica que não contaram aos chineses
que o mundo está em crise econômica e
que, seguindo regras muito comuns por
aqui, o país não poderia crescer.
O Brasil tem algumas similaridades
com a China que, diria, são significativas. Ambos são territorialmente muito
extensos.
As minorias chinesas, que na realidade são as principais responsáveis pelos
extraordinários ganhos de qualidade e
competitividade conquistados em tempos recentes, apresentam características
de comportamento que favorecem os
investimentos, além de terem como
perfil básico uma razoável aptidão para
o consumo.
Embora, sobretudo pela cultura financeira que tem prevalecido no Brasil,
o empreendedorismo não seja algo realmente em moda -como consequência,
o nosso país registra altas taxas de desemprego francamente rejeitadas pela
população-, também os brasileiros
apresentam um perfil de propensão ao
consumo muito significativo.
Quando se reflete sobre ambos os textos da Folha (de um lado, os lucros
acentuados dos bancos e, do outro, a exclusão de um expressivo contingente de
brasileiros), é razoável o questionamento do por que não saímos da crise que,
se medida pelos índices de crescimento
econômico, instalou-se no Brasil -e
aqui permanece desde então- na década de 80, aquela que os analistas consideram como "perdida".
Um aspecto que aflora de imediato,
no caso chinês, é a política governamental de promover investimentos na moeda local, favorecer as exportações e participar do esforço nacional de qualidade
e produtividade, incluindo a burocracia
oficial. Parece que na China não há o receio muito nosso, infundado aliás, de
que crescimento econômico é irmão da
inflação.
Parece que na China não há o receio muito nosso, infundado aliás, de que crescimento econômico é irmão de inflação
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Neste ano de 2002, segundo cálculos
dos economistas, o real desvalorizou-se
em relação ao dólar em mais de 50%. É
impossível para uma empresa -por
mais eficiente que seja- endividada
em moeda americana ou dependente de
insumos importados produzir reais
nessa proporção para obter a mesma
quantidade de dinheiro estrangeiro de
um ano atrás.
Assim, parece que a fórmula chinesa
de favorecer os investimentos domésticos em yuans faz realmente sentido e é
efetivamente coerente a longo prazo.
Em resumo, se for possível a execução
de um trabalho para favorecer a formação de capitais de longo prazo na nossa
moeda e usar a vantagem comparativa
da desvalorização cambial, como estímulo à exportação, reduzir os custos do
país -em particular os de infra-estrutura, sempre muito dependentes de decisões governamentais-, incrementar
o esforço de melhoria da qualidade e
aprimorar a produtividade industrial,
estimular as pesquisas e o desenvolvimento voltados para a inovação e criatividade que façam sentido do ponto de
vista mercadológico, parece ser possível
que se consigam melhores taxas de desenvolvimento do que as observadas
nas últimas décadas.
Aí sim, em vez de investirmos e nos
debatermos contra fatos hostis da atualidade, poderemos trabalhar sobre as
causas e programar resultados melhores no futuro.
E, quem sabe, substituir nossa cansativa administração federal de caráter
puramente financeiro por uma econômica, com visão para investimentos e
crescimento.
Ozires Silva, 71, engenheiro aeronáutico e coronel da reserva da Aeronáutica, é presidente do
Conselho de Administração do World Trade Center de São Paulo. Foi ministro da Infra-Estrutura (governo Collor) e presidente da Petrobras e da
Varig S.A.
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