São Paulo, quarta-feira, 11 de dezembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Nada disseram aos chineses...

OZIRES SILVA

A Folha , em sua edição de 4 de dezembro último, publica dois textos em sua Primeira Página:
"Dobra o lucro dos bancos estrangeiros no Brasil". "54 milhões de brasileiros vivem com até R$ 100".
Que pena -dirão muitos. Por quê? -dirão outros. E alguns poderão comentar: O que fazer para corrigir?
Quando se constata o consistente crescimento da China, que na sucessão dos últimos anos registra expressivas taxas de desenvolvimento econômico, certamente cabe uma observação: tudo indica que não contaram aos chineses que o mundo está em crise econômica e que, seguindo regras muito comuns por aqui, o país não poderia crescer.
O Brasil tem algumas similaridades com a China que, diria, são significativas. Ambos são territorialmente muito extensos.
As minorias chinesas, que na realidade são as principais responsáveis pelos extraordinários ganhos de qualidade e competitividade conquistados em tempos recentes, apresentam características de comportamento que favorecem os investimentos, além de terem como perfil básico uma razoável aptidão para o consumo.
Embora, sobretudo pela cultura financeira que tem prevalecido no Brasil, o empreendedorismo não seja algo realmente em moda -como consequência, o nosso país registra altas taxas de desemprego francamente rejeitadas pela população-, também os brasileiros apresentam um perfil de propensão ao consumo muito significativo.
Quando se reflete sobre ambos os textos da Folha (de um lado, os lucros acentuados dos bancos e, do outro, a exclusão de um expressivo contingente de brasileiros), é razoável o questionamento do por que não saímos da crise que, se medida pelos índices de crescimento econômico, instalou-se no Brasil -e aqui permanece desde então- na década de 80, aquela que os analistas consideram como "perdida".
Um aspecto que aflora de imediato, no caso chinês, é a política governamental de promover investimentos na moeda local, favorecer as exportações e participar do esforço nacional de qualidade e produtividade, incluindo a burocracia oficial. Parece que na China não há o receio muito nosso, infundado aliás, de que crescimento econômico é irmão da inflação.


Parece que na China não há o receio muito nosso, infundado aliás, de que crescimento econômico é irmão de inflação


Neste ano de 2002, segundo cálculos dos economistas, o real desvalorizou-se em relação ao dólar em mais de 50%. É impossível para uma empresa -por mais eficiente que seja- endividada em moeda americana ou dependente de insumos importados produzir reais nessa proporção para obter a mesma quantidade de dinheiro estrangeiro de um ano atrás.
Assim, parece que a fórmula chinesa de favorecer os investimentos domésticos em yuans faz realmente sentido e é efetivamente coerente a longo prazo.
Em resumo, se for possível a execução de um trabalho para favorecer a formação de capitais de longo prazo na nossa moeda e usar a vantagem comparativa da desvalorização cambial, como estímulo à exportação, reduzir os custos do país -em particular os de infra-estrutura, sempre muito dependentes de decisões governamentais-, incrementar o esforço de melhoria da qualidade e aprimorar a produtividade industrial, estimular as pesquisas e o desenvolvimento voltados para a inovação e criatividade que façam sentido do ponto de vista mercadológico, parece ser possível que se consigam melhores taxas de desenvolvimento do que as observadas nas últimas décadas.
Aí sim, em vez de investirmos e nos debatermos contra fatos hostis da atualidade, poderemos trabalhar sobre as causas e programar resultados melhores no futuro.
E, quem sabe, substituir nossa cansativa administração federal de caráter puramente financeiro por uma econômica, com visão para investimentos e crescimento.

Ozires Silva, 71, engenheiro aeronáutico e coronel da reserva da Aeronáutica, é presidente do Conselho de Administração do World Trade Center de São Paulo. Foi ministro da Infra-Estrutura (governo Collor) e presidente da Petrobras e da Varig S.A.



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