São Paulo, quarta-feira, 11 de dezembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Fome Zero

FREI BETTO

O projeto Fome Zero, a ser implantado pelo governo Lula, pretende reduzir significativamente a exclusão social que faz do Brasil um dos três países mais injustos do mundo.
Não tem cabimento centrar o debate em cartão magnético, cupom ou dinheiro. É discutir a qualidade da água enquanto a casa pega fogo. O importante é garantir alimento a quem vive condenado à subnutrição, e fazê-lo de modo a evitar o assistencialismo, o paternalismo e a dependência do beneficiado ao poder público.
Ao debater os meios, e não o fim, corre-se o risco de perder de vista a meta do projeto. É a clareza do objetivo que permitirá uma escolha criteriosa dos meios, inclusive levando em conta diferenças e peculiaridades regionais.
O Fome Zero não pretende reinventar a roda. Existem inúmeras experiências bem-sucedidas de combate à fome no país. É com elas que devemos aprender. Por isso a coordenação do projeto estabeleceu um calendário para conhecer quem faz, o que faz, como faz e que erros e acertos foram cometidos.
Quatro segmentos da sociedade estão convidados para, separadamente, apresentar ao projeto o trabalho que desenvolvem: as denominações religiosas (que terão seminário amanhã, em São Paulo), a iniciativa privada (que fará seu seminário na mesma data), as ONGs e os órgãos governamentais. Os dois últimos terão seus seminários após a posse do novo presidente da República.
O Fome Zero valoriza a autonomia de todas as instituições empenhadas na seguridade alimentar, com exceção das que estão vinculadas ao governo federal. Estas deverão passar por uma avaliação e uma renovação, já que o caráter do projeto difere qualitativamente das iniciativas adotadas no governo FHC. O novo projeto permeará todos os ministérios e as empresas públicas, de modo a mobilizar o conjunto da máquina federal, incluindo as Forças Armadas, no combate à fome.
Quanto às demais instituições, como as ONGs e os órgãos públicos das esferas estaduais e municipais, o princípio norteador é evitar dois riscos: a cooptação pela estrutura federal, transformando-as em meras "correias de transmissão", e a marginalização de iniciativas que não coincidem com os princípios do Fome Zero. O desafio é promover uma sinergia, um somatório de esforços rumo à missão comum.


O Fome Zero não pretende reinventar a roda. Existem inúmeras experiências bem-sucedidas de combate à fome no país


Só quem não conhece o projeto Fome Zero pode julgá-lo assistencialista. Além de combinar 25 diferentes projetos de políticas públicas, do Bolsa-Escola à reforma agrária, há o propósito de promover a educação cidadã, saciando assim não só a fome de pão, mas também a de beleza.
Os beneficiados deverão assegurar a presença dos filhos na escola e frequentar cursos profissionalizantes, tornando-se pessoas produtivas, capazes de obter renda a partir de seu próprio esforço. Mas é dever do governo garantir-lhes os recursos, como o crédito agrícola, para que possam dar o passo decisivo da exclusão à inclusão social.
Pessoas dispostas a trabalhar no projeto e a doar recursos terão sinalizados os caminhos a percorrer tão logo o novo governo assuma. Por enquanto, é preparar a sua implantação e criar vínculos com os parceiros institucionais.
Para quem deseja, ansiosamente, já contribuir para aplacar o drama de tantos famintos, sugerimos que participe da campanha Natal Sem Fome.
No Ano Novo, a meta será um Brasil sem fome.

Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, 58, frade dominicano, escritor e assessor de movimentos pastorais e sociais, é coordenador de Mobilização Social do projeto Fome Zero. É autor de, entre outras obras, "Alfabetto - Autobiografia Escolar" (ed. Ática).



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