São Paulo, terça-feira, 12 de fevereiro de 2002

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

O poder e as cinzas

"É s pó e a pó reverterás". A advertência da liturgia da Quarta-Feira de Cinzas se aplica não só a todos nós e a nossas vidas passageiras, mas também aos impérios e às vaidades com que se compraz o mundo. Aplica-se até ao sistema de poder instalado no Brasil, pequeno império submisso a império grande. Por alguma razão, os impérios pequenos costumam sofrer ainda mais do que os grandes de um defeito que os corrói: a falta de imaginação.
No fundo, é simples. O Brasil, sempre cheio de vitalidade, cansou-se de 20 anos de estagnação econômica e de prostração nacional. Poucos acreditam, até mesmo no círculo íntimo do poder, nos pretextos e nos fatalismos em nome dos quais se impôs esse empobrecimento ao país.
O tema central da campanha se reduz a uma palavra -emprego- ou a duas -emprego e segurança. Trabalhar com segurança, produzir com segurança, morar com segurança. Reorganizar o país em torno dos interesses e dos valores do trabalho e da produção, não das conveniências do dinheiro vadio. Assegurar crédito, tecnologia e condições para competir a quem produz e empregos e direitos a quem trabalha. Acabar com a divisão entre quem trabalha protegido pela lei e quem está obrigado a trabalhar fora da lei. Só nesse ambiente de iniciativa é que poderemos cuidar com eficácia do social, educando e sarando a nação. E prosseguir no esforço de nos integrar no mundo, sem usar essa integração como motivo para abandonar o esforço de desbravar nosso próprio caminho.
Não se deve subestimar a dificuldade de traduzir esses compromissos singelos em políticas e em instituições. Para isso é que começou o debate programático. Entretanto, pode e precisa haver continuidade entre o discurso elaborado e o discurso simplificado: as linguagens têm de ser diferentes, mas a mensagem tem de ser a mesma.
O confronto de propostas no Brasil está constrangido pela desinformação popular e pela desorientação elitista. Não há, porém, hoje país, rico ou pobre, em que a discussão das alternativas esteja mais adiantada do que no Brasil.
O atual presidente foi reeleito alegando que precisava de um segundo mandato para fazer pelo emprego o que fizera pela estabilidade da moeda. Deu no que deu. Agora, no velho estilo mexicano, apontou entre seus auxiliares mais próximos um sucessor. Este pede um terceiro mandato para o mesmo pessoal fazer diferente do que fez nos outros dois mandatos. Apesar do esforço quase unânime da mídia, não funcionou até agora essa impostura.
O eleitorado simpático à candidatura de Roseana Sarney é oposicionista. A própria candidata demonstra impulsos de oposição ao modelo -tudo pela confiança financeira, migalhas para a pacificação social- montado pelos fatalistas neocoloniais de Brasília e de São Paulo. O partido dela, porém, não quer saber de oposição ao Palácio ou ao modelo. O tempo tratará de traduzir essa contradição de intenções em inibição política.
Já o candidato do PT, o opositor que o sistema prefere, afunda no discurso inócuo e pastoso das políticas sociais compensatórias. E transmite a sensação de que está lá só para perder. Não surpreenderá vê-lo entrar em declínio eleitoral precoce e acelerado.
Sobra grande espaço. Nesse espaço é que se pode ganhar o poder e mudar o Brasil.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.idj.org.br




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