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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
O poder e as cinzas
"É s pó e a pó reverterás". A advertência da liturgia da Quarta-Feira de Cinzas se aplica não só a todos nós e a nossas vidas passageiras,
mas também aos impérios e às vaidades com que se compraz o mundo.
Aplica-se até ao sistema de poder instalado no Brasil, pequeno império
submisso a império grande. Por alguma razão, os impérios pequenos costumam sofrer ainda mais do que os
grandes de um defeito que os corrói: a
falta de imaginação.
No fundo, é simples. O Brasil, sempre cheio de vitalidade, cansou-se de
20 anos de estagnação econômica e de
prostração nacional. Poucos acreditam, até mesmo no círculo íntimo do
poder, nos pretextos e nos fatalismos
em nome dos quais se impôs esse empobrecimento ao país.
O tema central da campanha se reduz a uma palavra -emprego- ou a
duas -emprego e segurança. Trabalhar com segurança, produzir com segurança, morar com segurança. Reorganizar o país em torno dos interesses
e dos valores do trabalho e da produção, não das conveniências do dinheiro vadio. Assegurar crédito, tecnologia e condições para competir a quem
produz e empregos e direitos a quem
trabalha. Acabar com a divisão entre
quem trabalha protegido pela lei e
quem está obrigado a trabalhar fora
da lei. Só nesse ambiente de iniciativa
é que poderemos cuidar com eficácia
do social, educando e sarando a nação. E prosseguir no esforço de nos integrar no mundo, sem usar essa integração como motivo para abandonar
o esforço de desbravar nosso próprio
caminho.
Não se deve subestimar a dificuldade de traduzir esses compromissos
singelos em políticas e em instituições.
Para isso é que começou o debate programático. Entretanto, pode e precisa
haver continuidade entre o discurso
elaborado e o discurso simplificado:
as linguagens têm de ser diferentes,
mas a mensagem tem de ser a mesma.
O confronto de propostas no Brasil
está constrangido pela desinformação
popular e pela desorientação elitista.
Não há, porém, hoje país, rico ou pobre, em que a discussão das alternativas esteja mais adiantada do que no
Brasil.
O atual presidente foi reeleito alegando que precisava de um segundo
mandato para fazer pelo emprego o
que fizera pela estabilidade da moeda.
Deu no que deu. Agora, no velho estilo
mexicano, apontou entre seus auxiliares mais próximos um sucessor. Este
pede um terceiro mandato para o
mesmo pessoal fazer diferente do que
fez nos outros dois mandatos. Apesar
do esforço quase unânime da mídia,
não funcionou até agora essa impostura.
O eleitorado simpático à candidatura de Roseana Sarney é oposicionista.
A própria candidata demonstra impulsos de oposição ao modelo -tudo
pela confiança financeira, migalhas
para a pacificação social- montado
pelos fatalistas neocoloniais de Brasília e de São Paulo. O partido dela, porém, não quer saber de oposição ao
Palácio ou ao modelo. O tempo tratará de traduzir essa contradição de intenções em inibição política.
Já o candidato do PT, o opositor que
o sistema prefere, afunda no discurso
inócuo e pastoso das políticas sociais
compensatórias. E transmite a sensação de que está lá só para perder. Não
surpreenderá vê-lo entrar em declínio
eleitoral precoce e acelerado.
Sobra grande espaço. Nesse espaço é
que se pode ganhar o poder e mudar o
Brasil.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.idj.org.br
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