São Paulo, Sexta-feira, 12 de Fevereiro de 1999
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A nova fase da reforma agrária


O latifúndio, depois do Plano Real, perdeu a saúde econômica; com forças esvaídas, já não manda politicamente


RAUL JUNGMANN

Historicamente, a reforma agrária no Brasil viveu ciclos de altas e baixas voltagens. Quando os movimentos sociais a reivindicavam e se organizavam no sentido dessa reivindicação, sempre esbarravam na então imbatível força econômica e, "pour cause", política do latifúndio. Quando algum governo tentava assumir essa causa, esboroava-se politicamente, e o presidente corria o risco até de ver-se apeado do poder, como ocorreu com João Goulart em 1964.
Os tempos mudaram. A vontade política e a determinação de mudar o panorama fundiário nacional levaram o presidente Fernando Henrique Cardoso a eleger a reforma agrária como uma das prioridades de governo. O latifúndio, depois do Plano Real, perdeu a saúde econômica; com forças esvaídas, já não manda politicamente.
Pudemos, então, ver em quatro anos serem desapropriados 7.321.270 hectares de terras improdutivas e assentadas 287.539 famílias, abrigadas em 2.356 projetos de assentamento. São números que falam por si mesmos. Basta ver que, entre 1964 e 1994 -ou seja, em 30 anos-, apenas 218 mil famílias foram assentadas.
Tudo isso foi possível graças a um esforço político sem par, que, com a inestimável colaboração do Congresso Nacional, levou a mudanças radicais na legislação agrária brasileira. Elas soaram como um toque de finados para o latifúndio e tornaram mais rápido o processo de reforma agrária no Brasil.
Ao mesmo tempo, as condições de permanência do homem no campo foram melhoradas, por meio de programas criados para dar-lhes a necessária qualidade e tirar do governo federal o monopólio das ações de reforma agrária. São exemplos disso o projeto Lumiar, destinado a levar assistência técnica aos assentados, orientando-os na implantação e no desenvolvimento das atividades agrícolas; o Casulo, que gera emprego e renda ao trazer de volta ao campo trabalhadores rurais que viviam na periferia das cidades e incorporá-los a unidades familiares de produção; e o Cédula da Terra, cuja estratégia era testar uma alternativa de aquisição descentralizada de terras e criar uma ampla parceria entre governo central, Estados, municípios e os próprios beneficiários, ou seja, os assentados.
O sucesso do Cédula da Terra, que conta com o apoio do Banco Mundial, levou à aprovação, pelo Congresso, da lei complementar que criou o Banco da Terra, mais um instrumento para agilizar e descentralizar a reforma agrária.
Apesar dessas conquistas, ouve-se ainda a voz da contestação, e algumas lideranças continuam tentando avançar no sentido do confronto e da violência. É certo que ainda é necessário fazer muito, sobretudo no que toca à qualidade de vida dos assentados.
Temos dito que falar de reforma agrária é falar de agricultura familiar e defendido uma política pública global para esse espaço; uma política que preveja o emprego articulado do crédito, da terra e da infra-estrutura. Com isso, certamente estaremos dando aos trabalhadores rurais assentados os meios para a integração, de forma autônoma e competitiva, no mercado. Ou seja, estaremos propiciando a eles uma qualidade de vida bem superior às condições em que vivem hoje.
Dessa forma, estaremos, sem dúvida, iniciando um novo e altamente proativo ciclo da reforma agrária.



Raul Jungmann, 46, é ministro extraordinário de Política Fundiária. Foi presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) de 1995 a 1996.



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