São Paulo, Sexta-feira, 12 de Fevereiro de 1999
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Os limites do governo


O problema é o vale-tudo tornado método de governar. É de fazer inveja aos militares, que tinham de usar a força


LUIZ PINGUELLI ROSA

É incompreensível a declaração do ministro da Ciência e Tecnologia, Bresser Pereira, ameaçando instituições universitárias que se articularem e se manifestarem contra políticas do governo. Nega o que ele escreveu sobre a necessária separação entre governo, partidário e transitório, e Estado, cujas instituições são permanentes -dando como mau exemplo o governo militar ter impedido reunião da SBPC na Universidade Federal do Ceará.
Certamente, o ministro não imagina que uma instituição universitária que não se calou diante de uma ditadura deixe de expressar livremente opiniões, de organizar ou de sediar reuniões para não perder o apoio que órgãos do seu ministério têm a obrigação de dar, pelos critérios da competência acadêmica e da produção científica e tecnológica.
Seria o fim da liberdade acadêmica e da autonomia universitária. Pior: seria contra os jovens, a inteligência dos brasileiros e o futuro do país. Espero ser apenas uma declaração infeliz, que não tem nada a ver com o artigo do ministro na Folha de anteontem (Opinião, pág. 1-3), no qual, citando "Central do Brasil", defende a necessidade de uma saída nacional para o país.
O governo federal perdeu o rumo. Ou escolheu um rumo errado para o país ao dar prioridade a interesses financeiros privados, em detrimento do público. Cedeu a pressões externas contrárias à imensa maioria dos brasileiros, que como cidadãos elegem e como contribuintes sustentam os governantes, dos quais esperam fidelidade às promessas feitas.
Mas o governo age em nome de uma velha ideologia, reciclada como neoliberalismo e já em revisão nos países de onde foi importada. E em nome da globalização, assimilada pelo ângulo único do monetarismo vesgo, sem uma visão estratégica de longo prazo, que permitisse ao país entrar no jogo sem perder sempre, como está perdendo. Argumenta-se: poderia ser pior. Poderia?
O presidente da República, desde que foi ministro da Fazenda, cercou-se de um grupo de economistas, devido ao êxito do Real. Agora, afundou a âncora cambial, que mantinha artificialmente R$ 1 valendo pouco menos que US$ 1. Para isso, o governo tinha de dispor de bilhões de dólares para trocar por reais no mercado a um valor baixo, perdendo dinheiro. Era um dogma de fé do governo para evitar a inflação. Atacava-se quem o criticasse.
Agora, fica o dito (inclusive na campanha da reeleição) pelo não dito. O governo passou a defender como ideal o câmbio livre de âncoras, flutuando ao vento do mercado. Passa de um erro a outro. Para completar, nomeou para o Banco Central um economista de um grande grupo financeiro internacional, notório por especular no mercado.
O "Financial Times" de 4/2 traz reportagem, com chamada de primeira página, em que o ministro da Fazenda aparece como obediente ao Fundo Monetário Internacional. Consta que o presidente anterior do Banco Central não durou uma semana no cargo porque não foi aprovado pelo FMI. A lógica de entregar a política monetária a pessoa de confiança da cúpula de um grupo de especuladores é idêntica à de quem contrata um pistoleiro como segurança contra assaltos. Num extremo paradoxal, o ministro da Justiça deveria ser ligado ao cartel de Medellín. Seria a internalização das externalidades.
Em artigo anterior, referi-me àquelas fitas gravadas que mostravam a forma privada de tratar de negócios públicos. Assim como nos casos dos anões do Orçamento e da compra de votos de deputados, abafou-se tudo com a saída do ministro das Comunicações e do presidente do BNDES. Mas o problema é o vale-tudo tornado método de governar, na base do "dá ou desce". É de fazer inveja aos governos militares, que tinham de usar a força; esta foi substituída pela pressão política e pelo manejo do dinheiro público.
É esse o caso dos governadores de oposição. A aritmética mostra que, sem um sacrifício insuportável da população, não há de onde tirar dinheiro para o Brasil pagar as dívidas interna e externa -que o governo federal aumentou exponencialmente. Não foi em gastos públicos com saúde e educação nem com servidores (sem reajuste salarial há anos, com raras exceções, como a dos militares). Mas sim porque a política do Real, que afundou, levou a tomar dólares emprestados para manter uma reserva capaz de garantir a âncora cambial, pagando juros altíssimos.
Agora, a reserva minguou. Nessa política, queimaram-se dezenas de bilhões de dólares, como os obtidos em outra queima: a do patrimônio público, com as privatizações. Foram negócios bons para grupos privados, na maioria estrangeiros, em que hoje trabalham muitos ex-membros do governo.
Ora, não há dinheiro para os governadores pagarem, sem um custo social alto, as dívidas dos Estados da forma que o FMI quer. Portanto, o que falam os governadores da oposição é a realidade, que os outros fingem não ver com a esperança de uma retribuição disfarçada do governo federal. Este terá de discutir, mais cedo ou mais tarde, a moratória -técnica, política, tenha lá o nome que tiver. Logo, é hora de sentar para conversar.


Luiz Pinguelli Rosa, 56, físico, é professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).



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