São Paulo, sexta-feira, 12 de março de 2004

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11 DE MARÇO

A ONU qualificou como "monstruoso" o atentado terrorista de ontem em Madri. A Alemanha classificou-o de "abominável". O Reino Unido, de "revoltante". E o papa utilizou o termo "execrável". Para o Parlamento Europeu, trata-se do "pior" ato terrorista jamais cometido na União Européia, um ataque "injustificável" contra a democracia.
A lista dos adjetivos empregados, que poderia ser complementada por outros do mesmo quilate, fornece bem a medida da selvageria e da irracionalidade por trás dos ataques a vagões de trens, que mataram pelo menos 190 pessoas e feriram mais de 1.400. A barbárie teve lugar às vésperas de eleições gerais na Espanha.
Embora nenhuma organização tivesse reivindicado a autoria do massacre, autoridades espanholas foram rápidas ao atribuí-lo ao terrorismo separatista do grupo basco ETA. Contudo, algumas horas depois, foram encontrados, num veículo abandonado, detonadores e uma fita com uma gravação em árabe de versos do Alcorão, o que trouxe de volta à consideração a hipótese, prematuramente descartada, de terrorismo islâmico. À noite, um e-mail assumindo responsabilidade pela ação em nome de grupo ligado à Al Qaeda foi enviado a um jornal em Londres.
Caso os responsáveis pela chacina sejam mesmo militantes bascos, o grupo terá procedido a uma dramática escalada na violência. O ETA já atacou civis, mas seus alvos prioritários foram políticos e policiais. Muitas vezes, os terroristas avisavam de suas ações com antecedência. O conceito por trás dos ataques de ontem seria novo: causar o máximo possível de vítimas entre civis -uma concepção mais ao estilo da rede Al Qaeda ou do terror tchetcheno.
A prevalecer a hipótese islâmica, a novidade não estará no conceito, mas no teatro de operações. Exceto pelos atentados do 11 de Setembro, nos EUA, a rede Al Qaeda não havia ainda atacado em países do Ocidente. Suas ações contra alvos ocidentais ocorreram na periferia: Indonésia, Arábia Saudita, Iraque, Turquia, Quênia. A Espanha, como entusiástica aliada dos EUA na invasão ao Iraque, tornou-se um objetivo para o grupo de Osama bin Laden.
Toda ação terrorista é essencialmente covarde e desumana. Ela transforma civis inocentes em instrumento de chantagem para tentar atingir desígnios políticos. No caso do ETA, o caráter pusilânime do terror atinge o paroxismo, pois os propósitos políticos do grupo beiram o delírio. O país basco que pretendem "libertar" é uma região rica mesmo para os padrões europeus e que já conta com Parlamento e governo autônomos, além de independência fiscal. Mais do que isso, os separatistas do ETA não contam nem com a simpatia da própria população. Menos de um terço dos bascos defende a independência.
Seja quem for que tenha cometido a atrocidade de ontem, o fato é que, apesar da guerra ao terrorismo deflagrada pelo presidente George W. Bush, cujos desmandos merecem condenação, o mundo ainda está longe de ver-se livre dessa chaga. Para que um dia atentados como esses existam apenas nos livros de história, será preciso que a comunidade internacional, além de intensificar o combate nas áreas militar e de segurança às organizações terroristas, consiga desarmar os conflitos políticos que incitam à sua atuação.


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