São Paulo, domingo, 12 de março de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Insólita fantasia

PAULO SKAF


Categoricamente: não dá mais samba o modelo de juros altos e manejo artificial do câmbio para controle da inflação

No Carnaval deste ano, o Brasil entrou na passarela da globalização fantasiado de Haiti. "Olha o PIB de 2,3% aí, gente!", bradou o IBGE na sexta-feira magra, dia 24 de fevereiro, confirmando o desastroso crescimento econômico nacional em 2005 -aquém da média mundial, dos emergentes, da América Latina e do Mercosul e pouco superior apenas ao daquele sofrido país caribenho. O anúncio, mais do que abalar a monarquia de Momo, colocou em xeque a política econômica da República. Definitiva e categoricamente: não dá mais samba o modelo de juros altos e manejo artificial do câmbio para controle da inflação.
No Brasil, a desafinada conduta, remanescente da ortodoxia econômica do século passado, é agravada por impostos elevadíssimos. Ou seja, o país inverte a fórmula da prosperidade. Não se pode continuar privilegiando uma errônea e acovardada política monetarista baseada na premissa de um passado remoto de inflação, o qual não é mais realidade. A única alternativa para virar o jogo é o controle das despesas do governo. O Estado precisa parar de gastar acima do que arrecada. São necessários bom senso, mais sabedoria fiscal e menos juros para não atrasar o desfile na avenida da competitividade.
Embora devamos lamentar a performance haitiana da 14ª maior economia do planeta em 2005, tal desventura não é surpresa. Em 17 de novembro de 2004, menos de dois meses após minha posse na presidência da Fiesp, a entidade divulgou nota sobre a escalada da taxa básica de juros, que passara a atormentar mensalmente os brasileiros.
Sem fantasia, alertamos sobre as negativas conseqüências disso. Longe da intenção de sermos arautos do pessimismo, entendemos, porém, nossa responsabilidade como entidade de classe representativa da indústria. Por isso, nos sentimos obrigados a nos pautar na realidade, exercitar o direito da crítica e o dever de propor viáveis alternativas.
O texto que divulgamos em 2004, então inovador quanto ao rotineiro anúncio e repercussões mensais da evolução da Selic, lançou um novo olhar sobre a forma de encarar a política econômica. Desviou a atenção das conseqüências da inflação (em parte, as altas taxas de juros e a elevada carga tributária) para a causa (o crescimento dos gastos públicos). Vários órgãos de imprensa, na ocasião, mencionaram o alerta.
Para melhor aclarar a questão, o Departamento de Economia da Fiesp realizou um aprofundamento daquela análise. Então, em março de 2005, entregamos aprofundado estudo ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci.
O trabalho mostrou que, em uma década, podemos obter, se reduzirmos os gastos públicos em apenas 2% ao ano, as seguintes vantagens: dívida pública caindo de 51,8% para 25,7% do PIB; carga tributária federal diminuindo de 24% para menos de 18% do PIB. Considerando a carga tributária total, a redução seria dos cerca de 40% atuais para menos de 28% do PIB.
Em conseqüência da redução da dívida pública, teríamos aumento dos empréstimos bancários ao setor privado de 25% para 61% do PIB em dez anos. Esse avanço elevaria o investimento privado de 16,8% para 19,2% do PIB. A folga nas contas públicas permitiria crescimento do investimento público de 0,3% para 5% do PIB. Todos esses efeitos, somados, levariam a economia a crescer, em média, 6% ao ano.
O trabalho da Fiesp também continha um apêndice sobre a experiência fiscal bem-sucedida de Irlanda, Finlândia e Estados Unidos. Pode-se recorrer, ainda, ao emblemático exemplo da Nova Zelândia, que reduziu os gastos governamentais de 53,4% do PIB, em 1990, para 37%, em 2002. Sua dívida pública caiu de 62% para 26% do PIB, e a taxa de juros real recuou de 8,5% para 3,5% ao ano. Além da contribuição que a entidade já procurou oferecer com esse e outros estudos, estamos enviando um economista àquelas nações para captar em profundidade as práticas que possibilitaram o sucesso das iniciativas. E, obviamente, mais uma vez, colocaremos esse conhecimento à disposição do país.
A "fantasia de Haiti" usada pelo Brasil no Carnaval confirma o diagnóstico feito em 2004 pela Fiesp. Basta! É inadmissível que a nação continue ignorando sua identidade histórica e seu imenso potencial, um mercado de 190 milhões de habitantes, uma democracia consolidada, mentes brilhantes, riquezas naturais e biodiversidade abundantes, agronegócio avançado, a mais desenvolvida indústria da América Latina, um comércio moderno e um setor de serviços de alto nível.
O país precisa de um projeto consistente de desenvolvimento. Esgotou-se, mesmo, o modelo de financiamento da dívida pública com papéis escriturados por juros exorbitantes, que convertem prosperidade, qualidade de vida, justiça social e pleno emprego em algo muito próximo da usura. Assim, para que não sejamos identificados apenas como a "Terra do Carnaval", que o crescimento sustentado passe a inspirar o enredo da política econômica.

Paulo Antônio Skaf, 50, empresário, é o presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).


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