São Paulo, terça-feira, 12 de abril de 2005

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

O método da reviravolta

Como se podem mobilizar os brasileiros para mudar o Brasil? Para qualquer cidadão inconformado com a situação nacional essa indagação tem primazia sobre qualquer outra.
A pergunta ganha sentido especial por causa de combinação de fatos peculiar e enigmática. Há no país insatisfação que beira revolta. Esse descontentamento encontra, porém, anteparo na convicção de que a vida pública se tornou deserto de virtudes, de idéias e de capacidades. O resultado dessa descrença na política é paradoxalmente conferir aos políticos o escudo das baixas expectativas do povo: um pouco de competência, sem boa-fé, ou de boa-fé, sem competência, basta para tornar um governante aceitável.
A convivência da insatisfação com a resignação é instável. O que pode desestabilizá-la é novidade, de mensagens e de mensageiros, sobretudo na sucessão presidencial. Não se pode inovar em mensagens e mensageiros, contudo, sem inovar também na maneira de lutar pelo poder e portanto nos métodos com que se mobilizam as pessoas para participar nessa luta.
Há dois modelos básicos de mobilização na política das sociedades contemporâneas. Nenhum dos dois nos serve. Um modelo é o dramático: escalada de protestos de massa e de rua, como nas repúblicas pós-soviéticas, para derrubar governantes predatórios. O outro modelo é o rotineiro, como nas democracias ricas: a política como espetáculo encenado na televisão, assistido passivamente por uma população que espera pouco e teme muito.
Nosso caso é diferente desses dois. O Brasil precisa mudar de rumo. Antigamente precisava mudar de rumo para transformar o crescimento que vivia na justiça que lhe faltava. Agora precisa de mudar de rumo para transformar a justiça que ainda lhe falta no crescimento que deixou de viver. Há anos o eleitorado busca saída. Aceita o risco e o novo. As mensagens e os mensageiros desafiantes, porém, mal conseguem penetrar o bloqueio do sistema partidário e midiático.
A solução é usar os instrumentos da política rotineira -espaços de televisão e de internet, entrevistas, palestras, negociações partidárias e recrutamento de militantes. Usá-los, porém, de maneira surpreendente para produzir resultado ainda mais surpreendente: a alternativa nacional que os desiludidos dizem ser impossível surgir. Cada intervenção dessas precisa dizer na forma tanto quanto no conteúdo, na prática tanto quanto na proposta: isso aqui é diferente. Aqui não se trata de açucarar; aqui há veneno para alguns e remédio para outros.
E, de todas as surpresas a produzir por esse método de usar o convencional de maneira não convencional, a mais importante é a junção de duas atitudes supostamente irreconciliáveis. De um lado, ser sóbrio, realista e moderado nas propostas, defendendo pequeno elenco de medidas singelas e viáveis, capazes de reorientar o rumo do país na direção daquilo que se lhe nega: desenvolvimento com justiça. De outro lado, ser revolucionário em sinalizar algo que parece impensável no Brasil de hoje: a possibilidade de uma oposição que o dinheiro não possa comprar e que a intimidação não possa abater.
Reunidos esses atributos nas mesmas lideranças e nas mesmas iniciativas, tudo começará a mudar no Brasil. A nação se levantará.


Roberto Mangabeira Unger
escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger


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