|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ROBERTO MANGABEIRA UNGER
O método
da reviravolta
Como se podem mobilizar os brasileiros para mudar o Brasil? Para
qualquer cidadão inconformado com
a situação nacional essa indagação
tem primazia sobre qualquer outra.
A pergunta ganha sentido especial
por causa de combinação de fatos peculiar e enigmática. Há no país insatisfação que beira revolta. Esse descontentamento encontra, porém, anteparo na convicção de que a vida pública
se tornou deserto de virtudes, de
idéias e de capacidades. O resultado
dessa descrença na política é paradoxalmente conferir aos políticos o escudo das baixas expectativas do povo:
um pouco de competência, sem boa-fé, ou de boa-fé, sem competência,
basta para tornar um governante aceitável.
A convivência da insatisfação com a
resignação é instável. O que pode desestabilizá-la é novidade, de mensagens e de mensageiros, sobretudo na
sucessão presidencial. Não se pode
inovar em mensagens e mensageiros,
contudo, sem inovar também na maneira de lutar pelo poder e portanto
nos métodos com que se mobilizam as
pessoas para participar nessa luta.
Há dois modelos básicos de mobilização na política das sociedades contemporâneas. Nenhum dos dois nos
serve. Um modelo é o dramático: escalada de protestos de massa e de rua,
como nas repúblicas pós-soviéticas,
para derrubar governantes predatórios. O outro modelo é o rotineiro, como nas democracias ricas: a política
como espetáculo encenado na televisão, assistido passivamente por uma
população que espera pouco e teme
muito.
Nosso caso é diferente desses dois. O
Brasil precisa mudar de rumo. Antigamente precisava mudar de rumo para
transformar o crescimento que vivia
na justiça que lhe faltava. Agora precisa de mudar de rumo para transformar a justiça que ainda lhe falta no
crescimento que deixou de viver. Há
anos o eleitorado busca saída. Aceita o
risco e o novo. As mensagens e os
mensageiros desafiantes, porém, mal
conseguem penetrar o bloqueio do
sistema partidário e midiático.
A solução é usar os instrumentos da
política rotineira -espaços de televisão e de internet, entrevistas, palestras, negociações partidárias e recrutamento de militantes. Usá-los, porém, de maneira surpreendente para
produzir resultado ainda mais surpreendente: a alternativa nacional que
os desiludidos dizem ser impossível
surgir. Cada intervenção dessas precisa dizer na forma tanto quanto no
conteúdo, na prática tanto quanto na
proposta: isso aqui é diferente. Aqui
não se trata de açucarar; aqui há veneno para alguns e remédio para outros.
E, de todas as surpresas a produzir
por esse método de usar o convencional de maneira não convencional, a
mais importante é a junção de duas
atitudes supostamente irreconciliáveis. De um lado, ser sóbrio, realista e
moderado nas propostas, defendendo
pequeno elenco de medidas singelas e
viáveis, capazes de reorientar o rumo
do país na direção daquilo que se lhe
nega: desenvolvimento com justiça.
De outro lado, ser revolucionário em
sinalizar algo que parece impensável
no Brasil de hoje: a possibilidade de
uma oposição que o dinheiro não possa comprar e que a intimidação não
possa abater.
Reunidos esses atributos nas mesmas lideranças e nas mesmas iniciativas, tudo começará a mudar no Brasil.
A nação se levantará.
Roberto Mangabeira Unger
escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Silêncio e transparência Próximo Texto: Frases
Índice
|