São Paulo, domingo, 12 de maio de 2002

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ALGUMA COISA ACONTECE

A incerteza política abala a percepção dos investidores e, nas últimas semanas, instituições financeiras registraram aumento na desconfiança com relação ao Brasil. Mas é importante não perder de vista os fatores negativos externos que deprimem o ânimo dos mercados.
O fator mais importante no cenário global é a evolução da economia norte-americana. Os humores têm oscilado muito, mas, aproximando-se o final do primeiro semestre, o sentimento que predomina é a frustração.
Para Alan Greenspan, o presidente do Fed (banco central dos EUA), a perspectiva de longo prazo continua positiva, mas no curto prazo ainda não há motivos para comemorar.
A fonte do otimismo com o longo prazo são os indicadores de aumento na produtividade nos EUA, como a alta de 8,6% no primeiro trimestre desse ano. Para Greenspan, é um sinal de que "alguma coisa acontece".
O fato inquietante, no entanto, é que a "coisa" continua incerta. O crescimento recente resultou principalmente do aumento na produção provocado pela queima de estoques. Estoques que eram mínimos.
Com base tão frágil, o crescimento não parece sustentável e, nas últimas semanas, os economistas passaram a reduzir suas projeções de crescimento nos EUA para o resto do ano.
Não se pode confiar num crescimento cuja base é a queima de estoques baixos, sem recuperação dos investimentos. O consumo dos estoques é também fonte de aumento das importações. E o aumento no déficit comercial norte-americano leva os mercados a desvalorizar o dólar.
Nesse contexto, os países em desenvolvimento dificilmente serão vistos como boas oportunidades de investimento. Embora os chamados "mercados emergentes" tenham apresentado, desde o início do ano, um desempenho bastante positivo nos mercados internacionais, foi a perspectiva de recuperação da economia norte-americana que ajudou a criar expectativas favoráveis.
Mas o sintoma da deterioração de fundo nas perspectivas de investimento nesses países outrora promissores é a prioridade que o governo Bush, os países do G-7 e o FMI vêm dando à busca de novos mecanismos de regulação de moratórias.
Os países ricos e o FMI buscam fórmulas de financiamento que de algum modo já incorporem, na contratação de dívidas e na emissão de títulos, cláusulas de falência ou suspensão de pagamentos.
No entanto, o mecanismo para aumentar a segurança das finanças globais coloca sob suspeita todos os países emergentes.
Têm portanto razão os governos desses países em resistir à idéia, que praticamente institucionalizaria a pecha de caloteiros aos mais pobres do mundo, possivelmente aumentando de vez os custos do financiamento internacional a pretexto de preservar a normalidade das operações e os interesses dos credores.
Num cenário internacional recessivo, o maior sinal de otimismo é acreditar que "alguma coisa" acontece e trará bons resultados no longo prazo. No curto e no médio prazo, os riscos aumentam principalmente para os mais pobres e endividados.


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