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RENATA LO PRETE
Lula e a nova língua do pê
DO AUGE da crise do mensalão, quando Lula era pintado sem nenhum traço de
competência, passou-se ao extremo de descrevê-lo como estrategista brilhante em qualquer situação. O vento sopra a seu favor há
tanto tempo que a crônica tem dificuldade em enxergar uma nuvem
que seja no céu do presidente.
Tome-se a Operação Xeque-Mate. O irmão foi indiciado. O compadre, preso, está "envolvido até o
pescoço", nas palavras do diretor-geral da PF, com a quadrilha dos
caça-níqueis. Ainda assim, há
quem enxergue nesse quadro só
uma nova oportunidade para Lula
faturar com o número do "doa a
quem doer", um de seus prediletos.
No entanto, por mais que se empenhe em demonstrar que comanda o show, são muitos os sinais de
que o governo tem sido surpreendido e incomodado pelos fatos.
Não conseguiu, por exemplo,
produzir uma narrativa única e crível sobre o momento em que o presidente tomou conhecimento dos
apuros de Vavá. Na ânsia de emplacar a versão de que todos souberam
de tudo com a devida antecedência,
Tarso Genro acabou por atropelar
o discurso da "PF independente",
outro favorito de Lula. Afinal, se a
polícia é assim tão republicana, por
que a informação prévia tinha de
subir do delegado para o ministro e
deste para o presidente?
Até certo ponto, o ritmo frenético da PF beneficia Lula e aliados.
Transmite a mensagem do rigor
contra o crime a custo zero. Sem
desfecho, não há trauma.
Aos poucos, porém, fica claro
que a mão que condena é a mesma
que absolve. Num domingo, Renan
Calheiros está por um fio como
subproduto da Operação Navalha;
no seguinte, o presidente do Senado ganha refresco à sombra dos indiciados da Xeque-Mate.
Sem dar origem a um único sentenciado por corrupção (de Delúbio a Dario, não "doeu" em ninguém até hoje), a PF começa a ser
questionada. E o governo, incapaz
de encontrar rumo para a disputa
interna na corporação, também.
Além disso, Hurricane, Navalha
e Xeque-Mate ficarão por aí como
fios desencapados. A depender da
velocidade da Justiça, podem vir a
constranger o Planalto -como
ocorre com o inquérito do mensalão, à espera da palavra do STF.
No Brasil, o ciclo das notícias foi
sempre ditado pela Presidência -e
desde 2003, dado o perfil de Lula,
pelo próprio presidente. O Executivo espirra? Primeira página. Há
semanas isso não ocorre. A PF engoliu PAC, PDE, Pronasci e demais
siglas da nova língua do pê.
Há, por fim, a questão do medo.
A dinâmica das operações inquieta
políticos, empresários e funcionários públicos. Culpados e inocentes. Acuados reagem de duas formas. Às vezes pagam o preço -em
elogios, silêncio ou doações de
campanha. Em outras, quando o
beco continua sem saída, partem
eles também para o espetáculo.
rloprete@folhasp.com.br
RENATA LO PRETE é editora do Painel .
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