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CARLOS HEITOR CONY
Decoro parlamentar
RIO DE JANEIRO - Na primeira
legislatura após a queda do Estado
Novo, um deputado federal foi cassado por seus pares por quebra do
decoro parlamentar. Ele não recebia mensalão, não respondia a nenhuma CPI, mas foi julgado incompatível com a austeridade que se cobrava de um representante do povo,
depois de anos da ditadura Vargas.
Simplesmente deixou-se fotografar de cueca para uma revista ilustrada. O fotógrafo queria que ele
vestisse uma casaca, não precisava
vestir a calça, ele daria um corte no
foco, só pegaria a parte superior do
deputado. Publicada de alto a baixo
em 700 mil exemplares de "O Cruzeiro", a foto foi um escândalo.
O deputado (Barreto Pinto) tinha
humor. Esperneou o que pôde, mas
se conformou. Tornou-se produtor
teatral e encenou uma revista na
Praça Tiradentes com o título "O
mundo em cuecas". Foi um sucesso.
Anos depois, a mesma revista publicou uma foto de JK num dos banheiros do palácio Laranjeiras, fazendo a barba matinal. No primeiro
plano, o presidente com o rosto ensaboado. Ao fundo, o vaso sanitário,
daqueles antigos, "made in England". A oposição da época, liderada pela UDN, exigia um impeachment, alegando quebra do decoro
que se espera de um presidente da
República. Muita discussão nas
duas Casas do Congresso, os jornais
tomando posição, editoriais apocalípticos, onde estávamos, onde iríamos parar? O Brasil foi declarado à
beira do abismo.
Passam os anos. O conceito de decoro é vago, sujeito às circunstâncias do tempo e do modo. Continua
sendo um dos motivos previstos pela Constituição para a cassação de
um mandato popular. Os dicionários o definem mas a Lei Maior esqueceu-se de explicar o que seja
"decoro", na suposição de que todos
sabem do que se trata.
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